Há coincidências curiosas. No dia em que no Parlamento João Cravinho afirma que a "corrupção política está à solta" são divulgados na Alemanha alguns dados sobre o chamado negócio dos submarinos que não parecem propriamente um exemplo de lisura política e económica.
Diversas vezes aqui tenho me referido a essa espécie de traço da nossa cultura cívica "a atençãozinha" ou a sua variante "dar um jeito". Trata-se de um fenómeno, um comportamento, profundamente enraizado na nossa cultura e com o qual parecemos ter uma relação ambivalente, uma retórica de condenação, uma pontinha de inveja dos dividendos que se conseguem e a tentação quotidiana de receber ou providenciar uma "atençãozinha", de pedir ou dar um jeito, sempre "desinteressadamente", é claro.
João Cravinho sublinha o óbvio, não existe vontade política de combater a corrupção. A teia de interesses que ao longo de décadas se construiu envolvendo o poder político, a administração pública, central e autárquica, o poder económico, o poder cultural, a área da justiça e segurança, parte substantiva da comunicação social e toda a relação do dia a dia com a "atençãozinha" à recepcionista que nos passa para a frente na lista de espera ou ao funcionário de quem esperamos que possa dar um "jeito", dificulta seriamente um combate eficaz. Este combate passará, naturalmente, por meios e legislação adequada, ainda ontem Maria José Morgado se queixava das enormes dificuldades sentidas nesta área, mas passa sobretudo pela formação cívica que promova uma outra cidadania. Estarão lembrados que há algum tempo atrás foram divulgados estudos evidenciando a nossa atitude tolerante para com a corrupção.
Por tudo isto, prevalece o meu cepticismo face a iniciativas como as comissões de inquérito e, por exemplo, face ao discurso de João Cravinho cujo pacote de combate à corrupção foi chumbado pelo seu próprio partido.
Certamente que poderíamos viver sem a "atençãozinha", mas não era a mesma coisa.