domingo, 24 de janeiro de 2010

PARA SER É PRECISO TER, MESMO A DEVER

Um dos mais preocupantes sinais dos tempos é a quantidade de famílias em situação de sobreendividamento e o nível altíssimo da dívida face aos orçamentos familiares.
De acordo com a DECO, as famílias em dificuldade que a si recorrem evidenciam frequentemente uma taxa de esforço cerca dos 90%, ou seja, ao receberem 1000 €, 900 estão destinados ao pagamento de créditos. Como é óbvio, trata-se duma situação insustentável e mesmo com taxas de esforço mais baixas basta uma pequena perturbação ou algo de imprevisto para que se rompa o equilíbrio e as famílias entrem em incumprimento, com as previsíveis consequências. A DECO recomenda 40 % como a taxa de esforço aceitável e prudente.
Parece-me claro que este cenário não decorre, como muitas vezes ouvimos, da situação de crise económica que atravessamos. Radica, do meu ponto de vista, nos modelos económicos e sistema de valores que nos envolvem.
Como já tenho referido no Atenta Inquietude, instalou-se a ideia de que "és o que tens". Bem podemos afirmar que cada um de nós não olha assim para a vida mas na verdade é difícil resistir à pressão para o consumo e para a ostentação de alguns bens o estilos de vida que "atestem" como "somos" gente. Também é verdade que muitos dos mais pequenos, "vá lá saber-se porquê", já assim funcionam, querem "aqueles" ténis, porque "são os que todos os colegas têm". É certo que se ouvem discursos como o do Daniel, 12 anos, que na sexta feira em Silves me dizia que isto "é um bocado estúpido, porque dois meses depois querem comprar outros e os ténis ainda estão novos", mas o Daniel também tem as consolas, o telemóvel e os jogos que todos têm.
Por outro lado, as instituições financeiras que concedem crédito são bastante mais atentas aos seus próprios interesses que aos das pessoas que a elas recorrem. Assim, taxas e spreads são pouco "simpáticas" e a preocupação sobre o que as pessoas devem e o seu orçamento é, entendem, do "cliente" não da instituição.
Este tipo de problemas é apenas mais um indicador de como se torna necessário repensar valores e modelos de organização e desenvolvimento. Eu sei que não é fácil e pode parecer ingénuo, mas se não falarmos e não nos inquietarmos com isto, então é que nada mudará. Nunca.

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