Existem invariantes que preenchem o calendário anual de muitos miúdos. Um desses invariantes é a época do bicho-da-seda. Já era assim no meu tempo de gaiato e ainda hoje vejo, na altura certa, muitas pessoas, sós ou com os miúdos, de volta de umas amoreiras que existem, vamos ver até quando, na minha zona apanhando as folhas para alimentar os bichos-da-seda. Eu e os meus amigos, tal como o meu filho e os miúdos de hoje tínhamos os bichinhos em caixas de papelão, não faltávamos com as folhas de amoreira que os faziam crescer, transformar em casulos e depois, com as caixas tapadas, esperava-se o fim do ciclo, as borboletas que punham uma imensidade de ovos que, de novo, traziam os bichos-da-seda.
Lembrei-me deste quadro porque acho que alguns miúdos parecem seguir eles próprios o ciclo do bicho-da-seda. Pequeninos, desenvolvem-se do que os adultos vão providenciando, pão e afecto, e mais crescidos começam a construir casulos. Alguns conseguem não ficar dentro e continuam, mas outros ficam mesmo aprisionados nesses casulos opacos e quase inacessíveis.
Só que destes casulos não emergem borboletas. Emergem pessoas infelizes, amargas, à procura de si e de um lugar que nem sempre encontram.
Vamos lá cuidar bem de todos os bichos-da-seda que andam à nossa beira.
1 comentário:
Foi com grande saudosismo que revivi por segundos os momentos da minha infância, em que todos tínhamos a nossa caixa de sapatos com bichos da seda, em que pedia uma moeda à minha mãe para comprar um saco de folhas de amoreira a uma senhora que vivia perto e que tinha uma árvore. Infelizmente os tempos mudam, e acho que não erro muito quando digo que para pior. As modernices do nosso tempo, como a moda de roubar crianças para vender, obrigam a que não possamos dar aos nossos filhos a liberdade que tínhamos para brincar na rua e na natureza como nós brincámos, subir às árvores (que já poucas há)jogar ao "espéta" na terra molhada do Inverno, ao peão. A sociedade moderna, consumista, faz-nos crer que temos que trabalhar muito e muitas horas para poder ter muitas coisas que achamos serem o mais importante, que sem as quais nos sentiríamos menos que os nossos vizinhos e os nossos amigos. Que perfeita tolice, não paramos para pensar que deixamos passar o mais importante, aquilo que deveria ser uma das nossas prioridades, o passar tempo de qualidade com os nossos filhos, o brincar com eles, o ouvir aquilo que têm para partilhar connosco, as suas duvidas, as suas preocupações, as suas novas conquistas. O contar-lhes uma historia antes de ir dormir, o passar-lhes os valores que fazem de nós pessoas mais bonitas e mais amigas do próximo. Infelizmente, cada vez mais as crianças são educadas pela televisão e pelas consolas de jogos, refugiando-se da realidade por vezes demasiado dolorosa para encarar, construindo os seus casulos onde se refugiam nos seus mundos virtuais. A todos nós que somos pais, não deixemos perder o barco onde vão os nossos filhos, porque depois de deixar-mos que se afaste demasiado, por vezes nunca mais o conseguimos apanhar e os nossos filhos tornam-se estranhos que vivem nas nossas casas.
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