A maioria das pessoas daquele
bairro conhece-o, o Homem que fala só. Conhecem-no exactamente por esta
característica, fala só. No café à frente de um chá e de um livro ou de um
jornal, no jardim, se o tempo o permite, ou mesmo quando deambula pelas ruas
para desenferrujar o corpo, o Homem mantém consigo mesmo animadas conversas. Apenas
se dirige a outras pessoas para o indispensável do dia a dia e logo retorna à conversa consigo.
Claro que a generalidade das
pessoas o acha esquisito, por assim dizer, na verdade em voz mais baixa
pensam que o juízo do Homem está um bocado abalado, ninguém passa o tempo a
falar só. Quando ele entra em algum espaço as pessoas calam-se e ficam
discretamente a olhar e a ouvi-lo e depois comentam como é triste alguém
comportar-se assim, perder o juízo.
As pessoas não percebem que o
Homem se foi cansando de falar com pessoas que só têm certezas, não conversam
com os outros, afirmam as suas ideias, gostos ou opiniões e nem sequer estão
muito interessadas no que os outros têm a dizer pois bastam-se a si próprias.
Não percebem que o Homem continua cheio de dúvidas sobre o que lê e ouve pelo que discute consigo mesmo essas dúvidas. E quanto mais lê, mais ouve e mais discute, mais dúvidas tem pelo que mais discussões continua a manter
consigo mesmo.
As pessoas sem juízo são assim,
estão sempre cheias de dúvidas.
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