Como muitas vezes tenho afirmado
a violência doméstica parece indomável. Os dados relativos ao primeiro
semestre no distrito judicial de Lisboa verificamos que 6299 inquéritos apenas
em 960 os arguidos irão ou foram a julgamento, ou seja, 85% dos casos são
arquivados sendo ainda que 4089 dos arguidos tiveram as acusações arquivadas e
em 440 casos arguidos com culpa provada ficaram com cadastro limpo com base numa
decisão jurídica.
A questão é ainda mais complexa.
Como se sabe, o mundo da violência doméstica é bem mais denso e grave do que a
realidade que conhecemos, ou seja, aquilo que se conhece, apesar da regularidade das notícias de casos extremos, é "apenas" a parte
que fica visível de um mundo escuro que esconde muitas mais situações que
diariamente ocorrem numa casa perto de si.
Por outro lado, para além da
gravidade e frequência com que continuam a acontecer episódios de
violência doméstica é ainda inquietante o facto de que alguns estudos realizados
em Portugal evidenciam um elevado índice de violência presente nas relações
amorosas entre gente mais nova mesmo quando mais qualificada. Muitos dos
intervenientes remetem para um perturbador entendimento de normalidade o
recurso a comportamentos que claramente configuram agressividade e abuso ou
mesmo violência.
Importa ainda combater de forma
mais eficaz o sentimento de impunidade instalado, as condenações são bastante
menos que os casos reportados e comprovados, bem como alguma “resignação” ou
“tolerância” das vítimas face à situação de dependência que sentem
relativamente ao parceiro, à percepção de eventual vazio de alternativas à
separação ou a uma falsa ideia de protecção dos filhos que as mantém num espaço
de tortura e sofrimento.
Esta situação está bem patente
nos dados agora divulgados relativos ao distrito judicial de lisboa.
Nesta perspectiva, torna-se
fundamental a existência de dispositivos de avaliação de risco e de apoio como
instituições de acolhimento acessíveis para casos mais graves e, naturalmente,
um sistema de justiça eficaz e célere.
Torna-se ainda necessário que nos
processos de educação e formação dos mais novos possamos desenvolver esforços
que alterem quadros de valores, de cultura e de comportamentos que minimizem o
cenário negro em que vivemos. A educação é arma mais poderosa de transformação
do mundo como sabiamente afirmava Mandela. No entanto, como é sabido, a
formação cívica deixou de ser um conteúdo e área curricular obrigatória.
A omissão ou desvalorização desta
mudança é a alimentação de um sistema de valores que ainda “legitima” a
violência nas relações amorosas, que a entende como “normal”.
Tudo isto tem como efeito a
continuidade dos graves episódios de violência que regularmente se conhecem,
muitos deles com fim trágico.
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