Tal como sucedeu no ano passado a
imprensa de hoje refere que as escolas utilizam com diferente latitude,
por assim dizer, as disposições legais no que se refere à excepcionalidade do “chumbo
escolar” nos anos não terminais de ciclo. São divulgados exemplos de alunos que
passam com quatro ou mais notas negativas. O Secretário de Estado da Educação
acredita na ponderação realizada pelas escolas, pelos professores, nas decisões
sobre avaliação e na sua bondade. Por outro lado e sem estranheza, emergem os
comentários falando do “passar sem saber” da “pressão para compor estatísticas”, de "têm que chumbar e trabalhar mais", de "facilitismo", como não podia deixar de ser, etc.
Também o ano passado comentei
isto mas … voltemos ao assunto.
Sempre que se reflecte sobre
estas questões insisto que a questão essencial me parece ser o efeito da
retenção e menos os critérios da retenção.
Recordo que no Relatório
“Low-Performing Students - Why They FallBehind and How To Help Them Succeed”
divulgado pela OCDE no início deste ano se evidencia que o “chumbo”, a
retenção, é para os alunos portugueses o principal factor de risco para os
resultados na avaliação posterior, dito de outra maneira, os alunos chumbam …
mas não melhoram.
Insisto, chumbar não melhora os
resultados dos alunos independentemente de situações individuais bem-sucedidas.
O peso insustentável da retenção
no nosso sistema escolar parece assentar na errada convicção de que a repetição
só por si conduz ao sucesso e alimenta o que a OCDE já classificou de
"cultura da retenção". Importa ainda considerar o impacto económico
desta cultura como evidenciou um estudo recente realizado pela associação
Empresários pela Inclusão Social e pelo Centro de Estudos de Sociologia da
Universidade Nova de Lisboa.
Confesso sempre alguma surpresa
quando ao discutir-se os efeitos pouco positivos da retenção, cerca de 150 000
alunos por ano, algumas vozes, mesmo dentro do universo da educação, clamam que
se está a promover o "facilitismo" ou a defender que "então
passam sem saber".
Como me parece evidente não é
dada disto. Como exemplo, a Noruega tem uma taxa de retenção próxima do 0% e
não consta que os alunos noruegueses passem sem saber, são, aliás, dos alunos
com melhores resultados nos estudos comparativos internacionais.
A questão é saber se o chumbo
transforma o insucesso em sucesso. Não transforma, repetir só por repetir não
produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme os estudos mostram. Muitos
estudos internacionais também mostram que os alunos que começam a chumbar,
tendem a continuar a chumbar, ou seja, a simples repetição do ano, não é para
muitos alunos, suficiente para os devolver ao sucesso. Os franceses utilizam a
fórmula “qui redouble, redoublera” quando referem esta questão.
Nesta conformidade e do meu ponto
de vista, a questão central não é o chumba, não chumba, e quais os critérios ou
o número de exames, mas sim que tipo de apoios, que medidas e recursos devem
estar disponíveis para alunos, professores e famílias desde o início da
percepção de dificuldades com o objectivo de evitar a última e genericamente
ineficaz medida do chumbo. É necessário diversificar percursos de formação com
diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional.
Importa ainda que as políticas educativas sejam promotoras de condições de
sucesso para alunos e professores. O aumento do número de alunos por turma no
Ensino Básico e no Secundário, a forma como foram definidas as metas
curriculares, a cultura de competição e centrada exclusivamente em resultados,
os cortes no número de docentes que poderiam desenvolver dispositivos de apoio,
são apenas alguns exemplos do que não deve ser feito se, efectivamente, se
quiser promover qualidade e sucesso.
Como é evidente este tipo de
discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito
menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação,
uma tentação a que nem sempre se resiste.
Os alunos que “passam sem saber”
e a quem por razões de natureza diferente, recursos por exemplo, não é
disponibilizado apoio nos anos seguintes, ou os alunos que são retidos sem que
no ano seguinte também e pelas mesmas razões não acedem nos anos seguintes a
apoios adequados e competentes estão condenados ao insucesso e à exclusão. Repito
condenados à exclusão, quer “passem sem saber” quer chumbem porque “têm de
trabalhar mais” e não “podem passar sem saber”.
Assim sendo, o essencial é
promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos
adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz
medida do chumbo. É fundamental não esquecer que o insucesso continua a atingir
fundamentalmente os alunos oriundos de famílias com pior condição económica e
social pelo que inibe o objectivo da mobilidade social, replicando o velho
"tal pai, tal filho". A associação entre o insucesso e a pobreza em
Portugal é, aliás, a mais forte entre os países europeus. Talvez seja de
recordar que também a imprensa de hoje refere que 25% das famílias portuguesas
com filhos com menos de 15 anos revelam “insegurança alimentar”, ou seja e de
forma mais clara, têm dificuldade em aceder a alimentos, algo de preocupante. Também sabemos que miúdos que passa mal aprendem pior e chumbar só para não “passarem
sem saber” ou “passarem sem saber” e esperar que melhor só por … não tem bom
resultado.
É necessário também diversificar
percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com
formação profissional mas não em idades precoces criando percursos
irreversíveis de "segunda" para os "sem jeito para a
escola" e "preguiçosos".
A qualidade promove-se, é certo e
deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim,
naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a
definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio
a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas
educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados
de autonomia, organização e funcionamento das escolas, com a definição de
objectivos de curto e médio prazo, etc.
É o que acontece, genericamente,
nos países com mais baixas taxas de retenção escolar.
É o que temos de fazer acontecer
em Portugal.
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