Segundo dados da Direcção-Geral
de Estatísticas da Educação e Ciência relativos a este ano lectivo, as
Actividades de Enriquecimento Curricular envolvem 86,3% dos alunos matriculados
no 1.º ciclo. Regista-se um ligeiro decréscimo face ao ano anterior, 87.9% e
verifica-se que os alunos da região norte têm um nível de participação nas AEC
bastante superior aos do Algarve, 88.6% face a 72.4%. Predominam as actividades
de natureza desportiva e artística. Retomo umas notas anteriores sobre esta
questão.
De acordo com as orientações
definidas para este ano lectivo, as AEC não deverão ser sejam “ um
prolongamento de actividades formais de ensino”, mas ter um carácter
“eminentemente lúdico”.
Devem, entre outras vertentes,
“valorizar as expressões culturais locais”, “criar oportunidades para que os
alunos possam escolher livremente entre diferentes actividades e projectos” e
“privilegiar a metodologia de projecto com a intenção primordial de dar voz aos
alunos, a fim de gerar aprendizagens significativas e uma visão global das
situações”. Finalmente, define-se que as AEC não podem transformar-se em
espaços de realização dos trabalhos de casa.
Já muitas vezes aqui me referi ao
entendimento que tenho sobre as AEC e sobre os TPC, não vou repetir-me.
Dando por adquirida a presença de
uma boa parte dos alunos do 1º ciclo nas escolas a frequentar as AEC, 86.3%, o
que promove uma estadia na escola que pode prolongar-se até às 11 horas com a
Componente de Apoio à Família, a não realização dos TPC neste espaço pode
constituir para muitos alunos mais um período de tarefas escolares no fim de um
longo dia de trabalho e em circunstâncias que me levam desde há muito a encarar
os TPC com alguma reserva.
Retomando a importante questão
das AEC, sabemos como os estilos de vida actuais colocam graves problemas às
famílias para assegurarem a guarda das crianças em horários não escolares. A
resposta tem sido prolongar a estadia dos miúdos nas instituições escolares
radicando no que considero um equívoco, o estabelecimento de uma visão de
“Escola a tempo inteiro” em vez de “Educação a tempo inteiro”.
Ainda em termos prévios e como
sempre tenho defendido seria também importante que se alterassem aspectos como
a organização do trabalho, verificada em muitos países, que minimizassem as
reais dificuldades das famílias recorrendo, por exemplo e quando possível, a teletrabalho
ou à diferenciação nos horários de trabalho que em alguns sectores e profissões
é possível. Também poderíamos explorar outras respostas de natureza comunitária
que pudessem ser uma alternativa ao prolongamento significativo da estadia na
escola, pode atingir mais de 50 horas semanais se os pais necessitarem,
considerando horário curricular, AEC e componente de apoio à família.
É preciso o maior dos esforços,
equipamentos e recursos humanos qualificados para que se não transforme a
escola numa “overdose” asfixiante para muitos miúdos. Será ainda importante
verificar como é gerida a situação e participação de alunos com NEE nestas
actividades.
É verdade que existem boas
práticas neste universo e que devem ser sublinhadas e divulgadas mas também
todos conhecemos situações em que existe a dificuldade óbvia e esperada de
encontrar recursos humanos com experiência e formação em trabalho não
curricular. Acresce que boa parte das escolas, como é natural, têm os seus
espaços estruturados sobretudo para salas de aula. Espaços para prática de
actividades desportivas ou de ar livre, expressivas, biblioteca, auditórios,
etc., etc., a existirem dificilmente poderão ser suficientes para uma ocupação
da população escolar alternativa à sala de aula.
Este obstáculo acaba por resultar
na réplica de actividades de natureza escolar com baixo ou nulo benefício e um
risco a prazo de desmotivação, no mínimo.
Por outro lado, tanto quanto o
tempo excessivo de estadia na escola, merece reflexão o risco e as implicações
da natureza “disciplinarizada” desse trabalho, ou seja, organizado por tempos,
de forma rígida próxima do currículo escolar.
A enorme latitude de práticas que
se encontram actualmente, desde o muito bom ao muito mau, sustentam a
inquietação a que acresce o modelo a definir para estruturar estas respostas,
ou seja, sendo possível no quadro actual, que entidades externas as desenvolvam
como assegurar a responsabilidade da escola e a sua autonomia?
Na verdade, embora compreendendo
a necessidade da resposta seria desejável que, tanto quanto possível se
minimizasse o risco de em vez de tentarmos estruturar um espaço que seja
educativo a tempo inteiro com qualidade, preenchido na escola ou em espaços e
equipamentos da comunidade, assistirmos à definição de uma pesada agenda de
actividades que motiva situações de relação turbulenta e reactiva com a escola.
Sendo optimista vamos esperar que
tudo corra bem e que as boas práticas e experiências prevaleçam.
Nota final. Não abordei neste
texto mas não esqueço a necessidade de reflectir sobre o modelo de organização
das AEC, designadamente o "outsourcing" com situações de pagamento de
"salários" indignos a gente qualificada, e a gestão por vezes pouco
transparente de recursos humanos ao serviço de pequenos poderes.
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