O Director-geral de Saúde,
Francisco George, refere que Portugal é neste momento o país da Europa com
menos abortos por cada mil nascimentos vivos o que evidencia o “grande sucesso”
da lei sobre Interrupção Voluntária da Gravidez aprovada na sequência do
referendo realizado há 10 anos.
De facto, desde a publicação da
lei tem diminuído significativamente o número de casos de IVG. Os dados
disponíveis sobre o perfil das pessoas que recorrem à IVG continua a registar a
situação económica vulnerável e mulheres jovens, sublinham a ausência desde
2012 de qualquer morte materna por esta causa, o aumento do uso de dispositivos
de contracepção, uma média de realização de IVG abaixo da média da UE e a
maioria das mulheres que realizaram IVG fizeram-na por uma única vez
Todo este cenário não confirma as
teses catastrofistas que antecipavam o exponencial crescimento de situações. No
entanto e do meu ponto de vista, importa não esquecer que muitas das situações
que levam à interrupção voluntária da gravidez, situação que, creio, ninguém
deseja, decorrem de gravidezes indesejadas, mães adolescentes, por exemplo,
felizmente em abaixamento, ou de questões que se prendem com as condições de
vida que dificultam projectos de maternidade.
Assim sendo, mais do que a
insistência em teses assentes em juízos morais, legítimos, mas, frequentemente,
inconsequentes que se continuam a ouvir, parece desejável que se considerem
duas vias de análise e desenvolvimento de políticas nesta matéria, a
maternidade e a família.
Em primeiro lugar sublinhar a
importância da informação e acção educativa preventiva de gravidezes
indesejadas, sobretudo entre as mulheres muito novas. Sobre esta questão
veja-se a polémica de há meses a propósito do Referencial da Educação para a
Saúde a utilizar nas escolas com a retoma de discursos e argumentação
absolutamente deploráveis ainda que possam ser legítimos os pontos de vista que
defendem.
Por outro lado, é imprescindível
considerar a posição da mulher e as dificuldades das famílias nas nossas
comunidades. Os salários baixos são uma das razões que “obrigam” a que as
famílias revejam em baixa os projectos relativos a filhos. Portugal tem um dos
mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que,
naturalmente, é igualmente um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos
e que, por vezes estão dramaticamente na base do recurso à interrupção
voluntária da gravidez.
Não pode ainda esquecer-se a
discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor
qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua
“flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias
sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a
intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez
e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não
usarem a licença de maternidade até ao limite, etc. Como é óbvio este cenário
não será alheio a muitas decisões de interromper uma gravidez.
Tudo isto torna necessária e urgente
a definição de verdadeiras políticas de apoio à família e à maternidade o que
seguramente contribuiria para baixar o recurso a uma situação, que, insisto, a
esmagadora maioria das mulheres que a ela recorrem não desejam mas a isso, por
várias razões, se sentem "obrigadas".
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