domingo, 13 de novembro de 2016

EDUCAR E CUIDAR

Com uma referência discreta na imprensa, foi divulgado que o PS pretende criar um modelo urgente de regulação parental nos casos em que se verifica violência doméstica. Dado que os episódios de violência doméstica estão sob a tutela da justiça penal e a regulação parental depende dos tribunais de família e menores, a ausência de diálogo entre instituições leva a que as crianças e as vítimas corram riscos na regulamentação das visitas e guarda parental.
Os casos de violência doméstica continuam a ocorrer com uma frequência e gravidade inquietante. Sabe-se também que muitas situações são presenciadas pelas crianças com consequências negativas claras.
Neste quadro, a regulação parental em situações de separação que envolvam violência doméstica deve ser objecto de acrescida preocupação e urgência no sentido de acautelar o bem-estar de vítimas e crianças.
A este propósito recordo um episódio noticiado há uns meses.
O Tribunal de Cascais decidiu entregar a guarda de duas crianças de 4 e 6 anos ao pai que foi condenado por violência doméstica grave e repetida exercida sobre a mãe das meninas. Acresce que estes episódios se passavam algumas vezes com as crianças a assistir.
A decisão do tribunal suscitou apreciações diferentes.
Algumas pessoas ouvidas na peça que o Público fez sobre a matéria colocavam em causa a bondade da decisão do Tribunal pois as directivas europeias vão no sentido de que os tribunais levem em conta a violência doméstica na decisão sobre processos de custódia e visitas aos filhos. Existem também estudos que associam o testemunho de violência entre os pais ao maior risco de desenvolvimento posterior de comportamentos de agressão ou de sujeição à vitimização.
Por outro lado, um especialista não identificado entendia que “Uma condenação por violência doméstica contra uma companheira não inibe automaticamente o exercício das responsabilidades parentais”. Acrescentava que “Há que perceber se as relações afectivas das crianças com o progenitor são superiores ao sofrimento causado por terem assistido a violência doméstica.”
Na altura comentei de forma breve esta questão e agora retomo as ideias de base.
De uma forma simples podemos dizer que a acção educativa familiar pode definir-se em torno de duas dimensões essenciais, educar e cuidar. Curiosamente em língua inglesa encontra-se por vezes referências a "educare" ligando justamente, o educar com o cuidar
Um pai que assume regularmente violência grave para com a mãe dos seus filhos, condenado judicialmente e separado entretanto, pode, vamos admitir embora tenha a maior das reservas, ser um cuidador eficiente e satisfazer algumas das necessidades básicas das crianças.
No entanto, no que respeita ao envolvimento afectivo e aos cuidados afectivos prestados por um pai que tem como ferramenta relacional a violência as minhas dúvidas são enormes apesar da opinião do especialista citado que admite que um individuo que agride repetidamente e de forma grave a mãe dos filhos à frente destes pode, ao mesmo tempo, estabelecer vínculos afectivos robustos e positivos com essas crianças. Será?
Por outro lado, considerando a segunda dimensão, educar, as reservas são ainda maiores. Educar é o contributo para a construção pessoal, a comunicação e a relação com os outros de forma positiva e adequada, é a construção de valores, regras e limites, é o aprender a ser. Educa-se com o que se sabe mas, sobretudo, educa-se com o que se é, o comportamento gera comportamento
Tenho a maior convicção em que as pessoas são capazes de mudar o seu comportamento e reabilitar-se. Muitas vezes precisam de tempo e apoio.
O que não consigo entender é como sem que esse processo de reabilitação seja minimamente garantido se decide entregar a responsabilidade duas crianças a um agressor comprovado e reincidente.
Costuma dizer-se que in dúbio pro reo mas importa não esquecer um princípio fundamental, o superior interesse da criança, ou seja, in dubio pro puer (se o tradutor ajudou).
Esperemos que a iniciativa legislativa agora anunciada minimize o risco de situações desta natureza.

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