Com uma referência discreta na
imprensa, foi divulgado que o PS pretende criar um modelo urgente de regulação
parental nos casos em que se verifica violência doméstica. Dado que os episódios
de violência doméstica estão sob a tutela da justiça penal e a regulação
parental depende dos tribunais de família e menores, a ausência de diálogo
entre instituições leva a que as crianças e as vítimas corram riscos na
regulamentação das visitas e guarda parental.
Os casos de violência doméstica
continuam a ocorrer com uma frequência e gravidade inquietante. Sabe-se também
que muitas situações são presenciadas pelas crianças com consequências
negativas claras.
Neste quadro, a regulação parental em situações de
separação que envolvam violência doméstica deve ser objecto de acrescida
preocupação e urgência no sentido de acautelar o bem-estar de vítimas e
crianças.
A este propósito recordo um
episódio noticiado há uns meses.
O Tribunal de Cascais decidiu
entregar a guarda de duas crianças de 4 e 6 anos ao pai que foi condenado por
violência doméstica grave e repetida exercida sobre a mãe das meninas. Acresce
que estes episódios se passavam algumas vezes com as crianças a assistir.
A decisão do tribunal suscitou
apreciações diferentes.
Algumas pessoas ouvidas na peça que
o Público fez sobre a matéria colocavam em causa a bondade da decisão do
Tribunal pois as directivas europeias vão no sentido de que os tribunais levem
em conta a violência doméstica na decisão sobre processos de custódia e visitas
aos filhos. Existem também estudos que associam o testemunho de violência entre
os pais ao maior risco de desenvolvimento posterior de comportamentos de
agressão ou de sujeição à vitimização.
Por outro lado, um especialista
não identificado entendia que “Uma condenação por violência doméstica contra
uma companheira não inibe automaticamente o exercício das responsabilidades
parentais”. Acrescentava que “Há que perceber se as relações afectivas das
crianças com o progenitor são superiores ao sofrimento causado por terem
assistido a violência doméstica.”
Na altura comentei de forma breve
esta questão e agora retomo as ideias de base.
De uma forma simples podemos
dizer que a acção educativa familiar pode definir-se em torno de duas dimensões
essenciais, educar e cuidar. Curiosamente em língua inglesa encontra-se por
vezes referências a "educare" ligando justamente, o educar com o
cuidar
Um pai que assume regularmente
violência grave para com a mãe dos seus filhos, condenado judicialmente e
separado entretanto, pode, vamos admitir embora tenha a maior das reservas, ser
um cuidador eficiente e satisfazer algumas das necessidades básicas das
crianças.
No entanto, no que respeita ao
envolvimento afectivo e aos cuidados afectivos prestados por um pai que tem
como ferramenta relacional a violência as minhas dúvidas são enormes apesar da
opinião do especialista citado que admite que um individuo que agride
repetidamente e de forma grave a mãe dos filhos à frente destes pode, ao mesmo
tempo, estabelecer vínculos afectivos robustos e positivos com essas crianças.
Será?
Por outro lado, considerando a
segunda dimensão, educar, as reservas são ainda maiores. Educar é o contributo
para a construção pessoal, a comunicação e a relação com os outros de forma
positiva e adequada, é a construção de valores, regras e limites, é o aprender
a ser. Educa-se com o que se sabe mas, sobretudo, educa-se com o que se é, o
comportamento gera comportamento
Tenho a maior convicção em que as
pessoas são capazes de mudar o seu comportamento e reabilitar-se. Muitas vezes
precisam de tempo e apoio.
O que não consigo entender é como
sem que esse processo de reabilitação seja minimamente garantido se decide
entregar a responsabilidade duas crianças a um agressor comprovado e
reincidente.
Costuma dizer-se que in dúbio pro reo mas importa não
esquecer um princípio fundamental, o superior interesse da criança, ou seja, in dubio pro puer (se o tradutor
ajudou).
Esperemos que a iniciativa legislativa
agora anunciada minimize o risco de situações desta natureza.
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