“Hoje, já no fim da tarde ainda
tive tempo para a minha corrida no Parque da Paz, um espaço enorme cheio de
relvados e sombras por onde sabe bem andar.
A certa altura passei por um
grupo familiar e a minha estonteante velocidade deu para perceber que uma
gaiata pequenina vinha descalça ao colo do pai e pedia para que ele a pusesse
no chão relvado. Ouvi o pai dizer que não se pode andar descalço, para ela não
ser teimosa porque se quis descalçar e agora tinha que ir ao colo. Para
convencer a criança, falava-lhe, cito "os bichos que estão no chão, da
quantidade doenças que apanharia de andar na relva descalça" e mais que
entretanto já não ouvi. Reparei ainda que a criança vinha a comer qualquer
coisa que ia retirando de um pacote.
A cena deixou-me a pensar o que
ajuda a cumprir o treino. Aquele pai altamente preocupado com os riscos
gravíssimos de andar descalço num relvado bem tratado e, habitualmente, sem a
visita dos cães, achava, aparentemente, natural a criança comer qualquer coisa hipercalórica
certamente muito perto da hora de jantar.
Esta atitude ilustra, de novo,
algo que entre nós está muito presente, um aparente discurso de preocupação
que, embora se perceba, eu diria excessiva, com muitas das actividades que as crianças
podem, eu diria devem, fazer e, ao mesmo tempo, somos frequentemente
negligentes com aspectos verdadeiramente graves de que cito como exemplos o
enorme número de acidentes domésticos com crianças ou a obesidade infantil que já
é um problema sério de saúde pública.
Muitas vezes, estes pais que
protegem tanto as crianças dos riscos de andar descalço, por exemplo, estão
também entre os que descansam, no seu entendimento, quando as crianças estão
"livres de riscos" no quarto, sós, trancadas num ecrã.
Deixem lá os putos andar
descalços e rebolar na relva. E já agora juntem-se a eles. Faz bem a todos.”
Nota – Este texto foi escrito em 2011.
Recordei-o ao ler dois interessantes trabalhos no Observador. Um envolvendo uma
entrevista ao pediatra Pedro Oom a propósito do seu novo livro, “Infectário”.
O outro, também uma entrevista ao investigador Brett Finlay, co-autor do livro “Deixe-os
Comer Terra”. Em ambas as entrevistas se sublinha a importância de repensar a
nossa acção educativa muito marcada pela inibição de experiências e actividades
importantes a vários níveis para o desenvolvimento e bem-estar das crianças.
1 comentário:
Efectivamente é inquietante. Excesso de protecção em alguns aspectos e negligência em outros.
O que entendíamos por brincar está a mudar. E um adulto brincar ao fazer de criança???
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