A imprensa de hoje refere que a Confederação Espanhola de Associações
de Pais e Mães de Alunos (Ceapa), representativa de cerca de 12 mil
associações, incentivou as famílias espanholas a não aceitar que os seus filhos
realizem os TPCs durante os
fins-de-semana de Novembro.
A decisão assenta no entendimento de que os trabalhos de casa
"invadem o tempo das famílias" e "violam o direito ao recreio, à
brincadeira e a participar nas actividades artísticas e culturais", descrito
no artigo 31.º da Convenção dos Direitos da Criança.
Alguns mais atentos a estas matérias, sempre em aberto,
lembrar-se-ão de que em 2012 também foi notícia um apelo realizado pela
Fédération des Conseils de Parents d'Élèves (FCPE) e pelos professores representados
pela organização Institut Coopératif de l'Ecole Moderne (ICEM) de França, no
sentido de se boicotar a feitura dos trabalhos de casa, prescritos por muitos
professores apesar de formalmente já eliminados em França.
Os pais consideram os TPCs "inúteis" e
"cansativos", "empurrando a responsabilidade de ensinar para
cima dos pais". Os professores entendem que os trabalhos de casa aumentam
as desigualdades entre as crianças uma vez que "Nem todas as famílias têm
tempo ou conhecimentos suficientes para ajudar os seus filhos".
Talvez fruto do clima de
fortíssima crispação que nos últimos anos envolve a educação, os debates e as
ideias também tendem a ser crispados, com opiniões definitivas e sem margem de
entendimento. Também assim tende a acontecer quando se discute a questão dos
TPC. Mais uma vez e sem qualquer visão fundamentalista fica um contributo para
uma discussão e mudanças que me parecem necessárias, aliás, umas não vão sem a
outra.
Segundo a OCDE num trabalho
"Does homework perpetuate inequities in education?" produzido com
base em dados recolhidos no âmbito do PISA nos anos de 2003 e 2012 os alunos
portugueses de 15 anos, dados de 2012, gastam em média 4h semanais na
realização de trabalhos de casa, menos uma hora que em 2003 e menos uma hora
que a média dos 38 casos estudados pela OCDE.
Do meu ponto de vista, os dados
mais relevantes deste relatório remetem para o facto de que os alunos com
famílias de meios sociais e económicos mais favorecidos gastarem mais 2 horas
em trabalhos de casa que os seus colegas com famílias de estatuto mais baixo o
que, sublinha a OCDE, poderá alimentar a falta de equidade.
Neste contexto, parece-me
pertinente recordar que o nível de escolaridade dos pais, em Portugal em
particular da escolaridade da mãe conforme dados recentemente divulgados, é um
fortíssimo preditor do sucesso escolar dos filhos. Um recente trabalho da responsabilidade
conjunta da Fundação Francisco Manuel dos Santos e do CNE mostrou que nove em
cada dez alunos com insucesso escolar são de famílias pobres.
Estes dados sustentam o
entendimento de que os trabalhos de casa correm o sério risco de alimentar desigualdade
de oportunidades e obriga-nos a reflectir sobre a sua utilização.
Parece-me também importante o
facto de que no nosso sistema educativo os alunos do 1º, 2º e 3º ciclo podem
passar 8 ou 10 horas diárias na escola considerando o tempo lectivo, as Actividades
de Enriquecimento Curricular e a Componente de Apoio à família, (no limite
algumas crianças poderão estar 55 horas semanais na escola, uma enormidade).
Este tempo de permanência na escola é um dos mais longos dos países da OCDE e
vai também envolver os alunos até ao 9º por decisão do actual ME. Acresce que
em muitas circunstâncias, muitos alunos têm ainda Trabalhos Para Casa que, nas
mais das vezes, são a continuação ou a réplica de trabalhos escolares, ou seja
mais do mesmo.
Não tenho nenhuma posição
fundamentalista, insisto, mas creio que deve distinguir-se com clareza o
Trabalho Para Casa e o Trabalho Em Casa. O TPC é trabalho da escola feito em
casa, o trabalho em casa será o que as crianças podem fazer em casa que, não
sendo tarefas de natureza escolar, pode ser um bom contributo para as
aprendizagens dos miúdos. O que acontece mais frequentemente é termos Trabalhos
Para Casa e não Trabalho Em Casa.
Os TPCs clássicos têm ainda o
problema de colocar com frequência os pais em situações embaraçosas, querem
ajudar os filhos mas não possuem habilitações para tal.
A propósito, numa reunião de pais
em que participava e se discutia esta questão, dizia uma mãe, “o senhor, da
maneira que fala, se calhar é capaz de ajudar o seu filho, mas na minha casa, chora
a minha filha e choro eu, ela porque quer ajuda, eu porque não sou capaz de lha
dar.” Colocar os pais nesta posição parece-me discutível, no mínimo.
Torna-se, pois, necessário que
professores e escolas se entendam sobre esta matéria, diferenciando trabalho de
casa, igual ao da escola, de trabalho em casa, trabalho em que qualquer pai
pode, deve, envolver-se e é útil ao trabalho que se realiza na escola.
Tudo isto considerado. o recurso
ao TPC deveria avaliar se o aluno, cada aluno, tem capacidade e competência para
o realizar autonomamente, por exemplo, o treino de competências adquiridas. Na
verdade, porque milagre ou mistério, uma criança que tem dificuldade em
realizar os seus trabalhos na sala de aula, onde poderá ter apoio de
professores e colegas, será capaz de os realizar sozinha em casa? Naturalmente
tal só acontecerá com a ajuda dos pais ou, eventualmente, de
"explicadores" a que muitas famílias, sabemos quais, não conseguem
aceder.
No entanto, do meu ponto de
vista, sobretudo nas idades mais baixas, o bom trabalho na escola deveria
dispensar o TPC. É uma questão de saúde e qualidade de vida.
Parece ainda de sublinhar que os
estudos sugerem que "é sobretudo a qualidade das aulas, mais do que o
tempo global de aprendizagem que está associado ao sucesso na aprendizagem.
Aliás, no citado relatório da OCDE também se conclui que não há uma relação
significativa entre o número médio de horas gastas nos TPCs e os resultados
escolares.
Andaríamos melhor se
reflectíssemos sem preconceitos e juízos fechados sobre questões desta
natureza.
Sem comentários:
Enviar um comentário