Segundo dados hoje divulgados o índice
da economia não registada (ENR), mais conhecida como economia paralela, subiu
ligeiramente no ano passado, para 27,29% do produto interno bruto (PIB). Tal
facto sugere que iniciativas como as facturas electrónicas ou outras não
estarão a ter o impacto previsto. Se o valor se situasse na média
da OCDE, 16%, teríamos o défice público quase eliminado.
Este outro lado da economia que
envolve desde a fuga de capitais para paraísos "off-shore", à
habilidade individual da ausência de recibo no dia-a-dia, está completamente
enraizado, é apenas uma questão de escala e as dificuldades resultantes da
crise e dos aumentos de impostos potenciarão, muito provavelmente, esse lado
paralelo da vida económica. Aliás, creio que dados os cortes nos apoios
sociais, relembro que menos de metade dos desempregados acedem a subsídio de
desemprego, a economia paralela se tornou justamente a base de sustentação e
sobrevivência para muita gente além de que minimiza o risco de turbulência
social.
Este funcionamento quase que faz
parte da nossa cultura, o "dar um jeitinho", "fazer uma
atençãozinha", arranjar “um esquema” ou "dar um jeito" é parte
integrante do quotidiano. Trata-se de um fenómeno, um comportamento
generalizado que varia na escala e com o qual parecemos ter uma relação
ambivalente, uma retórica de condenação, uma pontinha de inveja dos dividendos
que se conseguem e a tentação quotidiana de receber ou providenciar uma
"atençãozinha" ou pedir ou dar um jeito, sempre
"desinteressadamente", é claro.
Por outro lado, o cidadão comum,
nós, sente, não acredita que exista verdadeira vontade política de combater
algumas das dimensões mais pesadas, por assim dizer, deste universo.
A teia de interesses que ao longo
de décadas se construiu envolvendo o poder político, a administração pública,
central e autárquica, o poder económico, o poder cultural, a área da justiça e
segurança, parte substantiva da comunicação social e muito do nosso
funcionamento quotidiano, dificulta seriamente um combate eficaz e mudança
cultural nesta matéria. Este combate passará, naturalmente, por meios e
legislação adequada, mas passa sobretudo pela formação cívica que promova uma
outra cidadania.
Certamente que poderíamos viver
sem o “esquema”, mas não era a mesma coisa.
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