quinta-feira, 10 de novembro de 2016

PODÍAMOS VIVER SEM O "ESQUEMA", MAS ... NÃO ERA A MESMA COISA

Segundo dados hoje divulgados o índice da economia não registada (ENR), mais conhecida como economia paralela, subiu ligeiramente no ano passado, para 27,29% do produto interno bruto (PIB). Tal facto sugere que iniciativas como as facturas electrónicas ou outras não estarão a ter o impacto previsto. Se o valor se situasse na média da OCDE, 16%, teríamos o défice público quase eliminado.
Este outro lado da economia que envolve desde a fuga de capitais para paraísos "off-shore", à habilidade individual da ausência de recibo no dia-a-dia, está completamente enraizado, é apenas uma questão de escala e as dificuldades resultantes da crise e dos aumentos de impostos potenciarão, muito provavelmente, esse lado paralelo da vida económica. Aliás, creio que dados os cortes nos apoios sociais, relembro que menos de metade dos desempregados acedem a subsídio de desemprego, a economia paralela se tornou justamente a base de sustentação e sobrevivência para muita gente além de que minimiza o risco de turbulência social.
Este funcionamento quase que faz parte da nossa cultura, o "dar um jeitinho", "fazer uma atençãozinha", arranjar “um esquema” ou "dar um jeito" é parte integrante do quotidiano. Trata-se de um fenómeno, um comportamento generalizado que varia na escala e com o qual parecemos ter uma relação ambivalente, uma retórica de condenação, uma pontinha de inveja dos dividendos que se conseguem e a tentação quotidiana de receber ou providenciar uma "atençãozinha" ou pedir ou dar um jeito, sempre "desinteressadamente", é claro.
Por outro lado, o cidadão comum, nós, sente, não acredita que exista verdadeira vontade política de combater algumas das dimensões mais pesadas, por assim dizer, deste universo.
A teia de interesses que ao longo de décadas se construiu envolvendo o poder político, a administração pública, central e autárquica, o poder económico, o poder cultural, a área da justiça e segurança, parte substantiva da comunicação social e muito do nosso funcionamento quotidiano, dificulta seriamente um combate eficaz e mudança cultural nesta matéria. Este combate passará, naturalmente, por meios e legislação adequada, mas passa sobretudo pela formação cívica que promova uma outra cidadania.
Certamente que poderíamos viver sem o “esquema”, mas não era a mesma coisa.

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