Ainda umas notas sobre a
condenação em Tribunal da cidadã que em 2015 gritou na AR dirigindo-se ao então
Primeiro-ministro Passos Coelho, “Metes nojo ao povo” e “Demissão”. Este
comportamento inscreveu-se numa cenário de manifestação sobre as na altura
divulgadas dívidas ao fisco que Passos Coelho assumiu existirem por não saber
que teria de proceder a descontos.
O tribunal apesar da condenação
registou a preocupação da cidadã com o "bem-estar geral da
comunidade” considerando que é “politicamente empenhada” como “deveriam ser todos os
cidadãos”. Mas tem que ser fora da AR, este espaço é reservado para outros cidadãos politicamente empenhados e procupados com o bem-estar geral, os senhores deputados.
São conhecidos mais incidentes
desta natureza embora habitualmente sem condenação que não a pena suspensa.
Recordo alguns episódios. Em
2013, um cidadão que por duas vezes interrompeu o Primeiro-ministro no
Parlamento foi constituído arguido pelos crimes de coacção contra órgãos
constitucionais e perturbação do funcionamento de órgão constitucional. O
malfeitor sustentou que a sua interrupção se destinava a chamar a atenção para
as políticas em curso.
Relembro também a situação que
envolveu Miguel Sousa Tavares que baptizou o Presidente da República, Cavaco
Silva, de "palhaço" o que motivou um pedido de inquérito à PGR cujo
despacho ou andamento desconheço. Ainda me lembro de um cidadão de Elvas que
enviou um recado também a Cavaco Silva no sentido de o mandar
"trabalhar" e ainda, de acordo com os seguranças mas negado pelo
cidadão, ter-lhe-á chamado "chulo" e "malandro". Este
cidadão foi condenado e o processo foir rápido pois, como se sabe, em Portugal
a justiça é célere, a uma multa de 1300€.
No entanto, mais recentemente e
em sentido contrário, o Tribunal da Relação do Porto, um tribunal que nos tem
habituado a decisões bizarras e incompreensíveis, entendeu que expressões como
“abaixo estes ladrões” ou “incompetentes” dirigidas por um contribuinte a um
serviço de finanças não podem ser consideradas um “crime de ofensa a organismo,
serviço ou pessoa colectiva”. A decisão do Tribunal responde a um recurso do
cidadão que tinha sido condenado a multa por ofensa.
Como é evidente, o respeito e a
dignidade das funções das pessoas não podem ser atropelados por um entendimento
excessivamente elástico da liberdade de expressão. Na verdade e como todos
reconhecemos, chamar palhaço, chulo e malandro, ladrões ou incompetentes é em
Portugal uma raríssima e particularmente grave forma de insulto, tanto que a
maioria de nós nunca a usa por pudor e vergonha de proferir tal enormidade.
Também no Parlamento, interromper alguém e ouvir discursos ou assistir a
comportamentos inadequados à nobreza da instituição á algo de inédito e muito
raro. Os debates, quer na forma, quer no conteúdo são sempre de elevado padrão cívico e literário.
Acho sempre curioso o alarido que
situações como estas levantam pois, apesar de nada querer branquear, as
"ofensas" desta natureza são extraordinariamente frequentes na nossa
vida política e não só.
Sempre me pareceu uma enorme
ofensa à honra e dignidade afirmar que precisávamos de empobrecer e com esta
crença coagir milhões de portugueses a viver em risco de pobreza e exclusão o
que, aliás, me parece também constituir crime de coacção.
Por outro lado, a insensível e
insensata persistência em políticas de austeridade cegas provocou um atropelo a
direitos fundamentais das pessoas, o que me parece poder configurar crime de
perturbação da dignidade e do normal funcionamento dos direitos
constitucionais.
Parece-me uma enorme ofensa à
ética e à equidade as despudoradas mordomias e salários que alguns arautos dos
sacrifícios e da austeridade e aparelhistas e alpinistas sociais. Verifica-se
até a despudorada situação da atribuição de prémios, perdão, de incentivos, bem
altos a quem causa prejuízo.
Parece-me também uma enorme
ofensa, a afirmação de que o desemprego é uma janela de oportunidade num país que
na altura tinha cerca de um milhão de desempregados, mais de metade sem
subsídio e com perto de 40% dos jovens sem trabalho.
Muitos velhos que conheço e que
têm pensões e reformas miseráveis sentiram-se ofendidos quando o Presidente da
Republica afirmou que os milhares de euros de reforma de que disporá não lhe
chegarão para as despesas pessoais.
Enfim, o que mais existem são exemplos
de como as palavras e comportamentos que por aí se soltam podem ofender.
Do meu ponto de vista, este tipo
de situações e tratamento que lhes é dado, referências aos
"palhaços", "malandros", "chulos",
"incompetentes" ou "ladrões", "chulos" e o
"vai trabalhar", tal como este “crime” de ofensa ao
Primeiro-ministro, mais não fazem do que justificar a mais comum das
referências da linguagem corrente, a "palhaçada" que tudo isto
representa e que, como sempre, tem palhaços ricos e palhaços pobres.
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