"Requalificação: 630 trabalhadores com a vida virada do avesso"
Quando eu era miúdo e como muitas
vezes acontecia com connosco, se estávamos onde não devíamos logo algum adulto
soltava um "ponham-se a mexer daqui" e nós ... púnhamo-nos a mexer
dali, quase sempre a contragosto.
Mais recentemente e com a
emergência da preocupação com os estilos de vida saudáveis, entrou no léxico
uma outra referência à ideia de movimento, "pela sua saúde, mexa-se"
e muita gente se mexe pela rua ou pelos ginásios à procura de melhor qualidade
de vida.
Entretanto e nos últimos tempos
surgiu a mais curiosa das utilizações da ideia de movimento, isto é, uma figura
inventada pela administração pública que retoma o discurso dos adultos do meu
tempo mas em vez de soltar um assertivo "ponham-se a mexer daqui",
cria um sistema de mobilidade, uma figura curiosa para colocar os funcionários
descartáveis em movimento, isto é, dali para fora.
De facto, o Governo entende que
existem funcionários público a mais, algo que as comparações internacionais não
suportam, uma vez que parece mais um problema de gestão e qualificação do que
de excedentes, quer despedi-los, mas a lei, a Constituição, sempre a
Constituição, atrapalham e então é criada uma estranha figura, o sistema de mobilidade,
justamente para pôr os funcionários a "mexer dali".
No entanto, em termos de
marketing e comunicação política, a terminologia não é muito
simpática e muda-se de sistema de mobilidade para sistema de requalificação,
uma sala de espera passageira para onde se enviam os funcionários descartáveis
a quem se dá uns trocos durante alguns meses e pronto, eles põem-se
definitivamente a mexer.
Na verdade, a última designação
parece a mais acertada, o novo sistema vai proceder à requalificação da
pessoas, perdem a qualificação de empregados e ganham, uau! a qualificação de
desempregados com a qual ficarão pobres mas felizes para sempre. A
questão é que não ficam felizes para sempre, cai-lhes o céu em cima da cabeça,
vêem e sentem a sua vida e dignidade a afundar-se como o trabalho de hoje do
Público mostra.
A isto chama-se, dizem,
convergência de sistemas e procedimentos, ou seja, a pobreza quando nasce é
para todos (quase), há que democratizar o acesso à condição de pobre.
Volto a recordar os adultos do
meu tempo, era altura de pôr esta gente a mexer dali para fora. O problema é a
gente que a seguir virá.
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