Na Assembleia da República
discute-se hoje uma Petição lançada pela Plataforma - Associações de Pais pela
Inclusão que pretende ver revogada a Portaria n.º 275-A/2012. Esta normativo
regulamenta a presença dos alunos com necessidades educativas especiais no
ensino secundário. Segundo os promotores a Portaria “constitui um retrocesso
nos desígnios de uma sociedade inclusiva, condicionando a aprendizagem e a
profissionalização de muitos dos jovens com necessidades educativas especiais”. Assim é, de facto. Algumas notas.
Com o alargamento da escolaridade
obrigatória para doze anos, as escolas secundárias passam a receber uma
população que até aqui "não conheciam", o que se constituiu uma
preocupação natural. Na altura, questionada sobre as dificuldades das escolas,
a responsável do MEC por esta matéria, admitindo com lucidez que as escolas
possam não estar preparadas afirmou "quando um pai e uma mãe têm um filho
deficiente, também não estão e reagem".
Sobre isto escrevi, "Notável
e perto do desrespeito pelos pais de milhares de miúdos e adolescentes com
problemas severos. Os pais que recebem a notícia da deficiência de um filho
reagem, mas o MEC responde por um serviço público de educação, direito
constitucionalmente assegurado. O MEC não tem que "reagir", tem que
assegurar a qualidade dos recursos e das respostas educativas. Para isso deve
"pro-agir", as medidas de política educativa devem ser estudadas,
antecipado o seu impacto, para atempadamente se garantir, tanto quanto
possível, o bom andamento dos processos educativos".
Na verdade, as escolas
"reagiram" e em algumas que conheço, a preocupação inicial deu lugar
a ideias e projectos que estão em curso e são verdadeiramente interessantes.
No entanto, o MEC também reagiu e
fez publicar uma Portaria (275-A/2012 de 1/9) absolutamente extraordinária.
Dada a falta de espaço, algumas notas telegráficas.
Sendo o trabalho escolar nas
escolas públicas da responsabilidade das respectivas equipas, o MEC distribui
"responsabilidades" com estruturas privadas, os Centros de Recursos
para a Inclusão, ainda uma resultante dos equívocos com serviços em
"outsourcing" prestados por instituições e técnicos que não fazem
parte da escola mas sobrevivem, mal, numa zona híbrida e estranha do sistema
educativo. Como é evidente isto não questiona a competência e empenhos dos
técnicos, mas o modelo escolhido.
Para alunos com Currículo
Específico Individual (CEI), uma população altamente diversificada,
determina-se uma matriz lectiva com cargas horárias fechadas esquecendo tudo o
que é autonomia e diferenciação.
Uma pequena nota mais lateral
sobre esta ideia de acantonar um grupo de alunos numa entidade designada por
Currículo Específico Individual - CEI, uma bizarrice conceptualmente
redundante, se uma estrutura curricular é desenhada para um indivíduo será,
evidentemente, específica, donde fica estranha a designação.
Em muitas circunstâncias, apesar
de excelentes práticas que aqui registo e saúdo, o trabalho desenvolvido ao
abrigo dos CEIs é, do meu ponto de vista, parte do problema e não parte da
solução, situação potenciada com a Portaria do MEC relativa ao trabalho nas
escolas secundárias. É um trabalho inconsequente, assente em avaliações pouco
consistentes, descontextualizado, mobilizando pouca participação e envolvimento
nos contextos em que os alunos se inserem. Dito de outra maneira, em algumas
circunstâncias o trabalho desenvolvido com estes alunos é ele próprio um factor
de debilização, ou seja, alimenta a sua incapacidade.
Voltando à Portaria, esta
determina que o trabalho com os alunos que trabalho cuja "responsabilidade" é
da escola ocupa 5, sublinho, 5 horas de uma matriz semanal de 25 h sendo as
restantes da "responsabilidade" dos técnicos dos CRIS exteriores à
escola.
Na definição das componentes
curriculares encontram-se pérolas como "Matemática para a Vida" da
responsabilidade da escola ou "Actividades Socialmente Úteis" da responsabilidade
dos técnicos externos, cujos conteúdos serão certamente estimulantes.
A Portaria coloca fora da
"responsabilidade" da escola tudo o que não seja Língua Portuguesa,
Matemática (para a Vida, é certo) e Tecnologias de Informação e Comunicação que
cabem na enormidade de 5 horas (!!!!). Claro, são tontos, não precisam de mais.
Na verdade muito do que aqui se
contempla é matéria da óbvia responsabilidade da escola, Desenvolvimento
Pessoal e Social, por exemplo.
Finalmente, um dos critérios de
aferição da educação assente em princípios de inclusão é, justamente, a
participação. Toda a Portaria é perigosamente omissa em matéria de promoção da
participação dos alunos "especiais" na vida da escola e na relação,
também em sala de aula, pois claro, com os seus colegas "normais".
Esta Portaria abriu a porta para
a que os alunos com necessidades especiais estejam "entregados" nas
escolas a tempo parcial e em regime precário, em vez de incluídos e envolvidos
da forma possível na vida escolar da escola que, por direito, frequentam. Algumas famílias são mesmo "convidadas" a não er os seus filhos tanto tempo na escola.
Deve dizer-se que algumas
escolas, direcções e professores se têm esforçado para que tal não aconteça,
apesar da Portaria e do MEC.
Outras escolas, direcções e
professores, sentem-se confortáveis com a Portaria. Afinal, que estão estes
miúdos a fazer nestas escolas?
Em nome dos direitos dos alunos a
uma educação de qualidade e à sua participação nas actividades da comunidade
educativa a revogação da Portaria 275-A/2012
é um imperativo, assim como é imperativo que as escolas sejam dotadas dos
recursos necessários à resposta educativa que decorre, justamente, desses direitos.
Sem comentários:
Enviar um comentário