A Procuradora-geral da República afirma hoje em
entrevista ao Público que existem estruturas, uma “rede”, que se aproveitam
do aparelho de Estado e da administração pública para “actos ilícitos, muitos
na área da corrupção”.
É surpreendente a afirmação, não tínhamos dado por
isso. Algumas notas.
Num trabalho do I de há algum tempo referia-se que em
4 anos apenas se registaram 5 casos de condenação a prisão efectiva por crime
de corrupção. É algo de elucidativo quando são regularmente conhecidos casos
que envolvem este tipo de ilícito, alguns com forte mediatização devido ao
envolvimento de figuras públicas. No entanto, como já tenho referido esta
situação parece-me quase inevitável no actual quadro social e político.
Recordo que em Fevereiro de 2014 a Comissão
Europeia afirmava num relatório que em Portugal “não existe uma estratégia
nacional de luta contra a corrupção em vigor”.
Segundo um estudo divulgado, creio que em 2013,
realizado, conjuntamente pela Universidade de Lisboa e pelo Movimento
Transparência e Integridade, 70 % dos portugueses inquiridos consideram
ineficaz o combate à corrupção, sendo que 78 % consideram que este problema se
agravou nos últimos dois anos, o pior resultado da União Europeia de acordo com
o trabalho da Transparency International, representada em Portugal pela TIAC --
Transparência e Integridade, Associação Cívica.
A maioria dos inquiridos, oito em dez, entendia que
o “o Governo está nas mãos de um conjunto restrito de grupos económicos” e 60%
dos portugueses afirma que os conhecimentos pessoais são importantes para obter
serviços ou acelerar processos na administração pública.
Nada de novo, infelizmente, também nestes dados. Em
2013 tornou-se público que o Conselho de Prevenção da Corrupção, estrutura
criada pela Assembleia da República e a funcionar junto do Tribunal de Contas,
deixou de tentar envolver as organizações partidárias na sua acção, pois estas
entendem que o Conselho não tem competência sobre as suas actividades e
funcionamento, designadamente na sensível questão do financiamento.
A Transparência e Integridade, Associação Cívica
tem vindo recorrentemente a lamentar “a reiterada falta de progressos na luta
contra a corrupção por parte das autoridades portuguesas, sublinhada mais uma
vez no último relatório de avaliação do Grupo de Estados Contra a Corrupção”,
do Conselho da Europa, designadamente no que respeita a alterações legislativas
no âmbito da corrupção e do tráfico de influências. Também um Relatório
anterior das mesmas entidades indiciava que o combate à corrupção em Portugal
apresenta “resultados mais baixos do que seria de esperar num país
desenvolvido”, concluindo, entre muitos outros aspectos, que a “troca de
favores” e a “cunha estão institucionalizadas “entre colegas do mesmo governo”
bem como identificava Portugal como dos 21 países em que existe "pouca ou
nenhuma implementação" da Convenção anti-corrupção da OCDE.
No entanto, está sempre presente nos discursos
partidários, sobretudo à entrada de cada novo governo, a retórica que sustenta
o fingimento da luta contra a corrupção e a promoção da transparência na vida
política portuguesa e, regularmente, emergem umas tímidas propostas que
mascaram essa retórica, entram na agenda e rapidamente desaparecem até ao
próximo fingimento.
Do meu ponto de vista, nenhum dos partidos do
chamado “arco do poder”, está verdadeiramente interessado na alteração da
situação actual, o que, aliás, pode ser comprovado pelas práticas
desenvolvidas, por todos, quando foram ocupando o poder. A questão, do meu
ponto de vista, é mais grave. Os partidos, insisto no plural, mais do que NÃO
QUERER mexer seriamente na questão da corrupção, NÃO
PODEM e vejamos porque não podem.
Nas últimas décadas, temos vindo a assistir à
emergência de lideranças políticas que, salvo honrosas excepções, são de uma
mediocridade notável. Temos uma partidocracia instalada que determina um jogo
de influências e uma gestão cuidada dos aparelhos partidários donde são, quase
que exclusivamente, recrutados os dirigentes da enorme máquina da administração
pública e instituições e entidades sob tutela do estado. Esta teia associa-se à
intervenção privada sobretudo nos domínios, e são muitos, em que existem
interesses em ligação com o estado, a banca e as obras públicas são apenas
exemplos. Os últimos tempos têm sido particularmente estimulantes nesta matéria.
A manutenção deste quadro, que nenhum partido está
evidentemente interessado em alterar, exige um quadro legislativo adequadamente
preparado no parlamento e uma actividade reguladora e fiscalizadora pouco
eficaz ou, utilizando um eufemismo, “flexível”. Assim, a sobrevivência dos
partidos, tal como estão, exige a manutenção da situação existente pelo que, de
facto, não podem alterá-la. Quando muito e para nos convencer de que estão
interessados, introduzem algumas mudanças irrelevantes e acessórias sem, obviamente,
mexer no essencial. Seria um suicídio para muita da nossa classe política e
para os milhares de boys de diferentes cores que se têm alimentado, e alimentam
do sistema.
O combate à corrupção, parece, assim, um problema
complicado. De quem faz parte do problema, não podemos esperar a solução. Nem da Procuradoria-geral da República, provavelmente.
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