terça-feira, 13 de maio de 2014

OS CASTIGOS DOS MIÚDOS

"Tribunal da Relação absolve pais antes condenados por agredirem filho com um cinto"

O Tribunal da Relação do Porto absolveu pais que comprovadamente agrediram o filho de 11 anos com um cinto infligindo danos corporais de alguma gravidade. A razão de tal comportamento prendeu-se com resultados escolares e o facto de fumar.
A decisão do Tribunal da Relação do Porto ao recurso de condenação que o casal tinha sofrido não me surpreende. Afinal trata-se do mesmo Tribunal que absolveu um médico psiquiatra que comprovadamente violou uma paciente com um quadro de d depressão alegando que o médico a tinha violado mas não lhe tinha batido. Notável.
Neste caso, cito o Público, “Os juizes desembargadores entenderam que embora sendo “o comportamento dos pais de censurar”, não pode ser considerada a “forma qualificada” no crime de ofensa à integridade física por não haver "aquele acrescido e especial juízo de reprovação, indispensável" para o considerar como tal. Assim, sendo apenas aceite a “forma simples” da agressão, o Ministério Público não poderia ter deduzido acusação, os pais foram absolvidos.”
Como disse, este episódio não constitui uma surpresa. Lamentalmente, são demasiado frequentes as decisões judiciais que atentam contra o "superior interesse da criança", princípio fundador e estruturante do edifício legal em matéria de direitos dos menores.
É verdade que a questão da administração de castigos é sempre algo em aberto, em família de forma mais recatada e discreta ou em contextos institucionais, mais mediatizados, no qual se espera que os técnicos, justamente porque são técnicos, intervenham de forma mais racional, informada e menos reactiva emocional que os pais que em algumas circunstâncias também recorrem a comportamentos deste tipo como foi o caso agora noticiado.
Neste contexto, a administração dos chamados castigos é sempre algo em aberto e em que com muita dificuldade se obtêm posições fechadas e indiscutíveis. Assim sendo, mais do discutir a utilização, ou não, de alguma forma de castigo, fará sentido alguma reflexão sobre a natureza e limites do que poderá ser um castigo.
Do meu ponto de vista e por princípio, privar ou dificultar o acesso a necessidades básicas ou ferir direitos como o uso da violência física não parecem o caminho mais ajustado. Parece-me também que o recurso que alguns adultos fazem de castigos que envolvem uma forte dimensão emocional, sobretudo em miúdos pequenos, deve ser evitado pelas implicações eventuais na segurança e confiança dos miúdos em si e nos adultos.
Estou à espera de que muitos comentários surjam a apoiar a decisão do Tribunal ao entender que uma tareia “dada a horas faz milagres” e que não lhes (aos miúdos) faz mal aprender assim.
A este propósito, os castigos e o bater,  lembro-me quando era miúdo, também me tocou, mais do que a dor física da reguada, me sentir tremendamente humilhado por estender a mão a alguém, um adulto e professor, que friamente me batia tantas vezes quantos os erros no ditado ou em consequência de ter falado com meu colega quando era suposto estar calado. Lembro-me ainda do especial requinte de um professor que em vez de ser ele a bater, encarregava um de nós de o fazer levando do professor se batesse devagar no colega.
É verdade que muitas pessoas, pais ou mesmo técnicos, assustadas com as grandes dificuldades que experimentam com os comportamentos das crianças, sentir-se-ão tentadas por estas abordagens mas talvez seja de recordar que o comportamento gera comportamento, ou seja, a violência gera e alimenta a violência.
Finalmente, antecipando alguns comentários, sublinhar que este entendimento não tem nada a ver com laxismo ou com a ausência de regras, limites e punições, são fundamentais e imprescindíveis na formação dos miúdos Tem exclusivamente a ver com a natureza dos processos utilizados e a sua eficácia e com o respeito pelos direitos dos miúdos.

2 comentários:

Anónimo disse...

Para chamar à atenção uma criança não é preciso muito.. no máximo um puxão de orelhas ou uma palmada no rabo.. cintos? reguadas?

Levei com um cinto de cabedal nas pernas quando tinha 8 anos. Fiquei com as pernas todas carimbadas com marcas da fivela. E tinha calças de ganga grossas vestidas. Tudo porque só fui ter com o meu pai à terceira vez que me chamou.

Na escola primária fui para com a testa ao quadro de ardósia com toda a força (cortesia de um prof de 30 anos). Só porque tinha estado distraída e não sabia resolver um problema de matemática. Não disse nada em casa, porque o meu pai tinha-me avisado de que se me queixasse e a culpa fosse minha, levava a dobrar.

O meu pai, à minha frente, chegou a dar autorização a um professor e a um estranho para me baterem ("usar da força") caso me portasse mal.. Quando o meu comportamento era por norma exemplar. E dizendo isto com uma pose de quem sabe que tem todo o controlo sobre um bicho.

No outro dia enviou-me por mail um powerpoint de corrente, tipicamente católico, a dizer que eram preceitos de vida que deviam ser seguidos por todos. Começava com uma troça a um qualquer especialista que defendia a não-violência na educação das crianças. Troçavam do homem porque, alegadamente, o seu filho único tinha-se suicidado, e perguntavam se o método de educação tinha dado certo...

A raiva que fica é mais forte que qualquer cinto..

Zé Morgado disse...

Agradeço o seu impressivo comentário, ilustra com clareza e sofrimento a mensagem que eu queria passar