sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

A METADE DO CÉU

Segundo um relatório da Comissão Europeia, em Portugal, as mulheres deverão trabalhar mais 65 dias para ter aceder ao mesmo rendimento que um homem enquanto a média europeia é de 59 dias. É também de considerar que a disparidade salarial tem aumentado significativamente nos últimos anos.
Nesta matéria parece-me oportuno recordar um Relatório, Society at a Glance 2011, da OCDE, segundo o qual Portugal é o quarto país, dos 29 considerados, com maior diferença entre homens e mulheres, no que se refere a trabalho não pago, sobretudo a tão portuguesa “lida da casa”, cozinhar, limpar, cuidar dos filhos, etc. Entre nós a diferença é de quase quatro horas.
No mesmo sentido, um trabalho também realizado pela CGTP com dados do INE e do Ministério do Trabalho, informava que as mulheres portuguesas trabalham em média 39 horas semanais e realizam mais 16 horas de trabalho não remunerado relacionado com a família e um trabalho internacional revelava que as mulheres portuguesas são das que trabalham fora de casa. Existem ainda indicadores sustentando que as mulheres portuguesas são, de entre as europeias, as que mais valorizam a carreira profissional e a família, a maternidade.
Para além dos baixos salários e da discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo, também a regulação da legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. Tem sido referido um aumento do recurso à prostituição para sobreviver a condições económicas muito complicadas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc. Pode também referir-se que apesar das alterações legislativas o uso partilhado da licença por nascimento de filhos ainda é significativamente baixo.
Importa, evidentemente, combater a discriminação salarial e de condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas.
Na verdade, a metade do céu, que as mulheres representam, carrega um fardo pesado.

OS DESFILES FELIZES DOS MENINOS E PROFESSORES FELIZES

Hoje foi dia de desfiles de Carnaval para as escolas portuguesas. Devo dizer, como registo de interesses, que não sou particular adepto da quadra, o que, eventualmente poderá contaminar estas notas. É certo que o Carnaval deste ano tem como peça de grande sucesso o genial “sketch” inventado por Passos Coelho com o nome, “O regresso do "Dr." Miguel Relvas”.
Ao olhar para os participantes, à excepção de uma residual minoria de alunos e professores que se sente obrigada a participar, os desfiles organizados pelas escolas são autênticos passaportes para a felicidade mesmo que transitória, o que em tempos de crise e de grandes dificuldades não é coisa de somenos. Como é sabido, está determinado que no Carnaval estamos felizes.
Cruzei-me com dois desses desfiles e é enternecedor o ar feliz que os cowboys, as bruxas, os super-homens, os homens aranha, os polícias, os dráculas, as fadas, as enfermeiras, as borboletas e flores, etc. etc., compõem no passeio pelas ruas. Parece mesmo que estão felizes, até emociona.
É também enternecedora a imagem dos professores, muitos também carregando as suas máscaras, compondo um ar risonho, contente com que, depois do desgaste de vários dias na preparação, acompanham as criancinhas numa visita ao meio, o Estudo do Meio ainda integra o currículo, até o Ministro Crato se lembrar que essa coisa de estudar o meio não serve para nada, é melhor estar a fazer contas na escola, sem máquina calculadora, é claro.
Os desfiles acabam por ser contagiados pelo clima de empatia e boa-disposição que se vive nas escolas, os meninos armazenados ao monte nas salas da escola muitas horas por dia, os papás a temer pelo desemprego e sem aparecer na escola e os professores com uma estabilidade profissional e com um clima nunca antes sentido face à genial política do MEC. Até os professores contratados parecem contentes.
Não consegui verificar, mas é natural que durante os desfiles alguns professores avaliadores estejam atentos às performances desfilantes e criativas dos professores, às coreografias, às cantigas, aos fatos que os meninos carregam. Sendo que as aulas podem ser observadas e avaliadas, os professores que querem ser excelentes e bons, se couberem nas quotas, bem entendido, poderão ser também observados nos desfiles. Tão bonito.
E os fotógrafos das autarquias sempre em cima do desfile, para aquelas fotos que colocadas no Boletim Municipal, farão as delícias do Vereador responsável e do Presidente, relembrando que a Autarquia apoia, sempre mas sempre, a Educação. Lindo.
Estão a ver porque raio não simpatizo com o Carnaval?

SOMOS PARCEIROS. Tu assumes prejuízos, riscos e encargos e eu ... os lucros


Tal como se verifica noutros sectores também nas águas as Parcerias Público Privado se revelam um mau negócio para municípios e consumidores e um bom negócio para os concessionários, conforme conclui o Tribunal de Contas, talvez porque tenha feito ... contas. Nada de surpreendente.
Na verdade, a generosidade do Estado assumida pelos sucessivos Governos é extraordinária. Numa espécie de variante do Estado Social em modo “Só p’ra amigos”, o estabelecimento de parcerias entre instituições públicas e instituições privadas, as PPPs, tem sido uma excelente forma de distribuir riqueza. Por poucos, é certo.
Para além dos mais conhecidos sectores das obras públicas, estruturas rodoviárias sobretudo, e da saúde, o universo das concessões na gestão das águas em diversos municípios tem sido notícia nos últimos dias. Do que vai sendo conhecido resulta invariavelmente uma péssimo negócio para o estado, para os contribuintes, e um muito bom negócio para os concessionários.
As PPPs em modo português, de uma forma geral, são uma estranha e assimétrica parceria, um parceiro assume os encargos e os riscos e o outro parceiro recebe os lucros.
O que parece mais embaraçoso é que esta assimetria inaceitável entre quem se assume como “parceiro” tem vindo a ser sucessivamente denunciada mesmo de dentro do estado. Apesar disso, sucessivos governos têm apostado de forma despudorada, irresponsável e delinquente do ponto de vista ético, para ser simpático, no estabelecimento e fortalecimento ou manutenção destas Parcerias assentes em contratos jurídicos estabelecidos basicamente à medida dos interesses privados de empresas e grupos “amigos”, constituindo-se, assim,  como verdadeiros brindes à custa do erário público e dando um enorme contributo para a situação financeira que actualmente vivemos.
Mais grave, é continuar-se a assistir à defesa destes comportamentos, à impunidade dos responsáveis e ao aumento dos custos que esta ruinosa e irresponsável política envolve.
E não acontece nada de significativo.
É o Portugal dos Pequeninos.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

A HISTÓRIA DO RAPAZ MAU

Era uma vez um Rapaz. Chamava-se Rapaz Mau e toda a gente achava que ele era mesmo mau.
Na escola, ninguém tinha mais faltas disciplinares do que ele. Era insolente para com a maioria dos professores, adorava atrapalhar o funcionamento das aulas o que fazia os colegas, alguns deles, achar graça e gostar dele.
Aos outros alunos o Rapaz Mau não tratava muito bem, gostava apenas dos que gostavam dele.
De vez em quando, apanhava uns castigos mas o comportamento não mudava.
Entre os professores do Rapaz Mau, havia uma Professora ainda novinha que se interessava por ele e, sempre que tinha oportunidade, procurava falar com ele. De início resistiu, mas, aos poucos, lá se foi aproximando. O que a Professora estranhava era que o Rapaz Mau que conversava com ela, era muito diferente do Rapaz Mau das aulas. Uma vez, lembrou-se de falar com o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, sobre tal diferença.
Enquanto escutava os livros o Professor Velho pensou e disse, “Sabes Professora, eu acho que o Rapaz Mau, na verdade chama-se Rapaz Só. Está convencido, sente, que só tem amigos porque é Mau. Quando te interessas por ele, não fica Só e, assim, não precisa de ser Mau”.

A LER

"O que pretendo mesmo é denunciar que esta lógica de suposta especialização significa um empobrecimento curricular e que o tão abusado “interesse das crianças” não é mais do que uma máscara para opções em que elas não têm qualquer participação."

Texto de Paulo Guinote.

COMO É QUE CORREU O TESTE?


É quase sempre assim. Aos bons alunos o teste corre bem.

MALTRATAR NÃO É GOSTAR

Um trabalho da responsabilidade da Universidade do Porto envolvendo um grupo populacional significativo, cerca de 3000 jovens nascidos em 1990, mostra alguns dados interessantes.
Um primeiro aspecto a sublinhar é o salto muito significativo do nível de escolaridade atingido por estes jovens, três vezes o da escolaridade média dos seus pais. Se  por um lado este indicador atesta o trabalho desenvolvido no sistema educativo nos últimos anos e já emergente nos resultados obtidos nos estudos comparativos internacionais, que, do meu ponto de vista podem ser ameaçados por alguns aspectos da actual política educativa, importa registar que, tal como a OCDE há dias divulgava, ainda existe uma muito forte relação entre a qualificação escolar dos pais e a qualificação dos alunos melhor sucedidos, isto é, a formação mais avançada é tendencialmente conseguida por jovens cujos pais são também mais qualificados e que o nível médio dos pais é muito baixo pelo que a diferença para os filhos assume maior expressão.
Um outro dado prende-se com os consumos, álcool e tabaco, comportamentos de risco, na condução por exemplo, e violência nas relações interpessoais de namoro. Constata-se que a subida do nível de escolarização não parece suportar mudanças significativas nos comportamentos. Por razões de espaço, algumas notas apenas dirigidas para este último aspecto, menos abordado de um forma geral, a violência nas relações pessoais mais íntimas.
No âmbito das relações de namoro, 60% dos jovens inquiridos relataram pelos menos um caso de agressão psicológica, insultar por exemplo. Um em cada três jovens também refere pelo menos um episódio de coacção sexual e 18 % referiram pelo menos um acto de violência física, bater ou arremessar um objecto com o objectivo de atingir o outro. É ainda de registar que mais de metade dos jovens envolvidos assumem o estatuto de vítimas mas também de agressores.
Estes números que são coerentes com outros estudos sobre comportamentos de violência nas relações amorosas indiciam o que está por fazer em matéria de valores e comportamentos sociais.
Recordo um trabalho interessante de há alguns meses divulgado UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta, um estudo envolvendo 885 pessoas com idades entre os 11 e os 18 a frequentar escolas da área do Porto e de Braga. Em síntese, para mais de metade dos inquiridos neste estudo será normal proibir ao namorado(a) o uso de determinadas roupas, 5% dos rapazes acham que agredir a namorada não é violência. 25 % dos rapazes e 13,3% das raparigas acham que humilhar o parceiro(a) é legítimo e 15,65 dos rapazes e 5% das raparigas entendem que ameaçar é um comportamento normal.
Este conjunto de dados é preocupante mas creio que não é surpreendente. Os dados sobre violência doméstica em adultos deixam perceber a existência de um trajecto pessoal anterior que suporta os dados destes e de outros trabalhos.
Os sistemas de valores pessoais alteram-se a um ritmo bem mais lento que os nossos desejos e estão, também e obviamente, ligados ao quadro de valores sociais presentes em cada época. De facto, e reportando-nos apenas aos dados mais gerais, é relevante a percentagem de jovens que afirmam um entendimento de normalidade face a diferentes comportamentos que evidentemente significam relações de abuso e maus tratos.
Como todos os comportamentos fortemente ligados à camada mais funda do nosso sistema de valores, crenças e convicções, os nossos padrões sobre o que devem ser as relações interpessoais, mesmo as de natureza mais íntima, são de mudança demorada. Esta circunstância, torna ainda mais necessária a existência de dispositivos ao nível da formação e educação de crianças e jovens; de uma abordagem séria persistente nos meios de comunicação social; de um enquadramento jurídico dos comportamentos e limites numa perspectiva preventiva e punitiva e, finalmente, de dispositivos eficazes de protecção e apoio a eventuais vítimas.
Entretanto e enquanto não, "só faço isto, porque gosto de ti, acreditas não acreditas?"

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

E É ESCREVER ASSIM, DESACORDADAMENTE. SEMPRE


Por uma vez estou de acordo com Mendes Bota, no seu desacordo com o Acordo Ortográfico.
Dado que o Acordo do nosso descontentamento será debatido no Parlamento na próxima sexta-feira e porque ainda estamos a tempo de evitar este crime disparatado contra a língua portuguesa nas suas diferentes variantes, justamente  uma das fontes da sua enorme riqueza, aqui se regista, mais uma vez e enquanto for possível, a minha enorme discordância. A minha opinião, não técnica, não servirá para muito, mas expressar teimosamente o profundo desacordo como o Acordo é um imperativo.
Do que tenho lido e ouvido, nada me tem convencido da sua bondade ou necessidade. Entendo que as línguas são estruturas vivas, em mutação e isso é importante. Neste cenário, é clara a necessidade de ajustamentos, por exemplo, a introdução de palavras novas ou mudanças na grafia de outras o que não me parece sustentação suficiente para o que o Acordo Ortográfico estabelece como norma. Já estou cansado do argumento da “pharmácia”quando se pode verificar que em todos os países, e são muitos, em que o termo tem a mesma raiz, a grafia é com “ph” e nada de muito grave acontece. A introdução ou mudança na grafia tem acontecido em todas as latitudes e não tem sido necessário um Acordo com os conteúdos bizarros, alguns, que este contém.
Por outro lado, a grande razão, a afirmação da língua portuguesa no mundo, também não me convence pois não me parece que o inglês e o castelhano que têm algumas diferenças ortográficas nos diferentes países em que são língua oficial, experimentem particulares dificuldades na sua afirmação, seja lá isso o que for. De facto, não tenho conhecimento de perturbações ou de dramas com origem nas diferenças entre o inglês escrito e falado na Inglaterra e nos Estados Unidos, mas isto dever-se-á, certamente, a ignorância minha e à pequenez irrelevante daquelas comunidades anglófonas. O mesmo se passa entre a comunidade dos países com o castelhano como língua oficial.
Por outro lado, a opinião dos especialistas não é consensual, longe disso, temos regularmente exemplos disso mesmo, e eu sou dos que entendem que em todas as matérias é importante conhecer a opinião de quem sabe. Aliás, é interessante analisar a natureza da argumentação dos especialistas favoráveis ao Acordo. Algumas vezes assenta, sobretudo, no porque sim, porque é novo. É pobre.
Neste quadro e como sou teimoso vou continuar a escrever em desacordo com o Acordo até que o teclado me corrija. Nessa altura desinstalo o corrector que venha com o Acordo e vou correr o risco de regressar à primária, ou seja, ver os meus textos com riscos vermelhos por baixo de algumas palavras, os erros.
Não é grave, errar é humano.
No entanto, como toda gente, não gosto de errar, pelo que preferia continuar a escrever assim, desacordadamente.

A MENINA COM MEDOS

Era uma vez uma Menina. Uma Menina com medos.
Na escola, tinha medo de fazer os trabalhos porque não sabia se era capaz de fazer o que lhe pediam para fazer.
Quando ia brincar, tinha medo de não ser capaz de brincar como os colegas brincavam.
Em casa, tinha medo porque não sabia se era capaz de fazer o que os pais gostavam que ela fizesse.
No fundo, tinha medo de não ser capaz.
Um dia, ao recreio, falou com o Professor Velho, aquele que já não dá aulas, está na biblioteca e fala com os livros. Claro que falou a medo mas falou muito.
No fim da conversa, o Professor Velho pediu-lhe que, em casa, escrevesse num papel as coisas todas que achava ser capaz de fazer.
No outro dia, a Menina veio com três folhas cheias de coisas. Depois de as ler devagarinho ao Professor Velho, conversando sobre cada uma dessas coisas, foi tranquilamente para a sala de aula.
Sem medo.
Há miúdos com muitos medos, adultos também.

A LER ...


Um texto de David Rodrigues.

PARTIU PACO DE LUCÍA


Partiu mais um nome grande da banda sonora que acompanha a minha estrada, Paco de Lucía.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

A GORDURA QUE JÁ NÃO É FORMOSURA. A obesidade infantil é mesmo um problema de peso

Dados agora divulgados pela OMS mostram como é preocupante o problema do excesso de peso na população mais nova. Na Europa, mais de 27% das crianças com 13 anos e 33% com 11 têm excesso de peso. Portugal é um dos países com indicadores mais inquietantes, 32% das crianças com 11 anos têm peso a mais.
Nada de novo, recordo um estudo, “EPACI Portugal 2012 – Estudo do Padrão Alimentar e de Crescimento na Infância”, segundo o qual, 31.4% das crianças portuguesas entre os 12 e os 36 meses apresentam excesso de peso e 6.5% situações de obesidade.
Os dados são preocupantes mas não surpreendem indo no mesmo sentido de dados envolvendo outras idades.
Um trabalho da Universidade de Coimbra divulgado em 2013 sublinhava, mais uma vez, o impacto que o sedentarismo tem na saúde das crianças. Este estudo envolveu 17424 crianças entre os 3 e os 11 anos e mostrou a forte relação entre hábitos fortemente sedentários, ver televisão por exemplo, e obesidade infantil e óbvias consequências na saúde e bem-estar dos miúdos.
Um outro trabalho de 2012 da Faculdade de Motricidade Humana envolvendo cerca de 3000 alunos que evidenciava o efeito positivo da actividade física no rendimento escolar para além dos benefício óbvios na saúde.
Também em 2012, um trabalho divulgado na Lancet referia que em Portugal, entre os adolescentes, dos 13 aos 15, quatro em cada cinco não são fisicamente activos.
A Direcção-Geral de Saúde tem vindo a recomendar às escolas que alimentos hipercalóricos, como doces ou bolos, não sejam expostos, devendo ficar visíveis aos olhos dos alunos os alimentos considerados mais saudáveis em como estão em curso medidas no sentido de baixar a publicidade a alimentos e bebidas com maior carga calórica.
Apesar de parecer uma birra ou teimosia acho sempre importante sublinhar a importância que deve merecer a questão dos hábitos alimentares, sobretudo nos mais novos.
Recordo ainda um estudo divulgado há meses da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, encontrou 17% de rapazes e 26% de raparigas de quatro anos, sublinho, quatro anos, com excesso de peso e obesidade e níveis de colestrol elevados, um cenário verdadeiramente preocupante e de graves consequências futuras.
Dados apresentados no XIV Congresso Português de Obesidade, referiam que 22.6 % das crianças dos 10 aos 18 anos estão em situação de pré-obesidade e 7.8 % já são obesos.
Creio ainda de sublinhar que estudos realizados em Portugal mostram que a obesidade infantil é já um problema de saúde pública, implicando, por exemplo, o disparar de casos de diabete tipo II em crianças.
Na verdade, a obesidade infantil afecta um número muito significativo e crescente de crianças e adolescentes e assenta fundamentalmente nos estilos de vida dos mais novos de que releva o sedentarismo excessivo e a péssima qualidade genérica ao nível dos hábitos alimentares. É de registar que as escolas têm vindo a fazer um esforço no sentido de aumentar a qualidade alimentar da oferta, o que não parece ser acompanhado pelas famílias, ilustrado pela desproporcionalidade do consumo de água e de refrigerantes no contexto familiar. Ainda não há muito, estava na sala de espera no Centro de Saúde da minha zona e uma mãe andava de um lado para o outro com uma bebé que ainda mal andava e que, evidentemente, aparentava peso a mais. Para conseguir que a miúda se calasse ia-lhe dando bolachas que eram despachadas em pouco tempo. Tal situação mostra como é preciso insistir.
Sabe-se também que em adultos e sem surpresa os números pioram, 50% dos homens e 30% das mulheres estarão em situação de pré-obesidade ou obesidade.
As consequências potenciais deste quadro em termos de saúde e qualidade de vida são muito significativas, quer em termos individuais, quer em termos sociais. Assim, e como já tenho referido, um problema de saúde pública desta dimensão e impacto justifica a definição de programas de prevenção, educação e remediação que o combatam. Provavelmente, teremos algumas reacções contra o chamado “fundamentalismo nos hábitos individuais” mas creio que são também de ponderar as implicações colectivas e sociais do problema. No entanto, como sabemos, o excesso de peso e os riscos associados não serão, para a esmagadora maioria das miúdos e graúdos nessa situação, uma escolha individual, é algo de que não gostam e sofrem, de diferentes formas, com isso.

O MAL EDUCADO. Outro diálogo improvável

És um cabeça no ar.
Antes no ar que enterrada no chão como a avestruz.
Estás sempre na Lua. 
Quero ser astronauta.
Não vais ser ninguém na vida. 
Óptimo, quero ser alguém, não quero ser ninguém.
Não passas de um cabeça de vento. 
Estou numa de energias alternativas.
Só fazes coisas sem jeito.
Para isso tenho jeito.
Como é que queres que alguém goste de ti?
Gostando.
Estás sempre distraído. 
Não, estou concentrado noutra coisa.
Fazes tudo ao contrário dos outros.
Sou original.
Dessa maneira não vais a lugar nenhum.
Melhor, assim vou a algum lugar em vez de nenhum.
Afinal, que vida vai ser a tua?
Esta, a minha.
Não sei mais o que te diga.
Estude um pouco mais.
Definitivamente, és um mal-educado.
Se considerarmos que não me educo sozinho, de quem será a responsabilidade?

OS TRATOS DOS VELHOS

De acordo com um estudo da responsabilidade do Instituto Nacional Dr. Ricardo Jorge, 12.3% das pessoas com mais de 60 anos terá sido vítima de alguma tipo de violência.
També a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, APAV, tem divulgado dados referindo os maus tratos e violência dirigidos a velhos que muitas vezes ficam sem denúncia o que, aliás, acontece também com situações de violência doméstica e de maus tratos a crianças.
Na verdade, com alguma regularidade vêm sendo noticiadas situações de maus tratos a idosos, de natureza diferenciada, perpetrados por familiares, um exemplo das alterações significativas dos modelos de relacionamento social, sobretudo no que pode considerar-se como a percepção de traços de autoridade que inibem ou regulam comportamentos.
Há algum tempo, a imprensa referia que a linha telefónica do Cidadão Idoso da Provedoria de Justiça recebeu 2142 chamadas durante 2011. Destas chamadas, cerca de seis por cento estavam relacionadas com maus-tratos.
Também há alguns meses, um relatório da OMS identificava Portugal como um dos cinco países europeus, entre 53, em que os velhos sofrem mais maus-tratos. Segundo aquele relatório, 39,4% dos velhos sofrem alguma forma de maus-tratos, que envolvem, por exemplo. extorsão, abuso psicológico, físico ou negligência.
Quer no seio das famílias, quer em instituições para onde alguns velhos são enviados compulsivamente como denuncia a APAV, algumas encerradas por determinação legal, tal é a gravidade das situações, multiplicam-se as referências à forma inaceitável como os velhos estão a ser tratados.
Começam por ser desconsiderados pelo sistema de segurança social que com pensões miseráveis, transforma os velhos em pobres, dependentes e envolvidos numa luta diária pela sobrevivência.
Continua com um sistema de saúde que deixa muitos milhares de velhos dependentes de medicação e apoio sem médico de família.
Em muitas circunstâncias, as famílias, seja pelos valores, seja pelas suas próprias dificuldades ou alterações nos estilos de vida, não se constituem como um porto de abrigo, sendo parte significativa do problema e não da solução. As situações muito complicadas em que milhares de famílias estão envolvidas com o retornar de várias gerações à mesma casa e a tentação de aproveitar os baixos rendimentos dos velhos potenciam o risco de maus tratos.
Finalmente, as instituições, muitas delas, subordinam-se ao lucro e escudam-se numa insuficiente fiscalização além de que, com frequência, os equipamentos de qualidade são inacessíveis aos rendimentos de boa parte dos nossos velhos.
Lamentavelmente, boa parte dos velhos, sofreu para chegar a velho e sofre a velhice.
Não é um fim bonito para nenhuma narrativa.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

SER ALGUÉM

Há já muito tempo andei numa escola. Agora, de vez em quando, lembro-me da escola onde andei há muito tempo.
Os professores da minha escola gostavam muito de nos ensinar. Diziam-me para pintar o quadrado de vermelho, eu gostava de pintar o triângulo de azul. Parece que só se podia pintar o que nos diziam, da cor que nos diziam.
Diziam-me que a minha árvore estava mal desenhada porque as árvores não eram assim como a minha. Era assim que eu gostava de desenhar árvores.
Diziam-me para escrever frases com umas palavras. Eu gostava de escrever frases com outras palavras.
 Diziam-me para escrever um trabalho sobre um assunto. Eu gostava de escrever as histórias que inventava para contar aos meus amigos.
Diziam-me para ler aquele livro. Eu gostava de ler uns livros que descobria com o Professor Velho na biblioteca.
É verdade. Em quase todo o tempo da minha escola me disseram exactamente o que tinha de fazer, como tinha de fazer, o que tinha de saber, quando tinha de saber, o que tinha de pensar, como tinha de pensar, do que deveria gostar, ou seja, ser alguém, diziam-me. E assim fiz, sou alguém, dizem.
Ontem, vinha na rua e alguém dirigiu-se a mim, “O Senhor desculpe, importa-se de nos dizer o que pensa sobre …”.
Em pânico, interrompi a pessoa. Há tanto tempo que não penso.

NOTÍCIAS DO PAÍS FELIZ

Referências ao desemprego brutal, a pobreza e exclusão, a dificuldades no acesso aos serviços de saúde e educação. a cortes nos apoios sociais, etc., não passam, como diria o grande Jorge Jesus, de "peanuts" quando comparadas com notícias como esta.
A gente feliz do país feliz.
Ainda bem que existe.

UMAS NOTAS MINHAS NO PÚBLICO ...

sobre o universo da educação e das escolas.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

COISAS DO MERCADO, JÁ SE VÊ


As casas vazias na Europa seriam suficientes para providenciar alojamento a todos os sem-abrigo do continente.
Em Portugal existirão cerca de um milhão de casas devolutas e o número de pessoas sem abrigo continua a aumentar.
Coisas dos mercados, já se vê.

A HISTÓRIA DO RAPAZ QUE SE CHAMAVA PERFEITO

Há uns tempos conheci um rapaz. Chamava-se Perfeito. 
Na escola onde andava não havia ninguém como ele. Nas aulas, apenas falava para esclarecer dúvidas ou ajudar os colegas. Pedindo antecipadamente autorização, claro. Os cadernos e trabalhos de casa do Perfeito estavam sempre em dia e bem organizados. Mostrava os conhecimentos esperados sobre todas as matérias. Nos intervalos brincava de forma tranquila, envolvido nos jogos próprios da sua idade. 
Era simpático para com os colegas, professores e funcionários que, naturalmente, adoravam o Perfeito. 
Em casa era arrumado com as suas coisas, colaborava nas tarefas e ainda encontrava tempo para ajudar a irmã mais nova nos trabalhos de casa e, até para dia sim, dia não, telefonar aos avós. Gostava de falar com os pais e, por vezes, gostava de se envolver em conversas muito interessantes sobre o que lia no jornal. Não era exigente com a roupa, gostava de ler e ouvir música. 
Os vizinhos do prédio adoravam o Perfeito, sempre com um sorriso e pronto a ajudar a D. Adosinda com o saco das compras.
Desde há dois meses que não sei nada sobre o Perfeito. 
Perdi o livro onde ele morava.

HISTÓRIAS DO MUNDO ANIMAL

Era uma vez uma terra, ou melhor, várias terras, em que num espaço fechado se juntam muitos animais a assistir a um espectáculo em que outro grupo de animais faz sofrer outros animais. Uns animais, a pé ou montados noutros animais. espetam ferros nos animais. Em algumas terras, alguns animais matam também com uma ferro, uma espada, os outros animais para acabar o espectáculo. Dizem que é um espectáculo cultural.
Nessas terras também existem animais que não gostam do que os outros animais fazem aos animais e protestam.
Parece que agora se discute se alguns animais mais pequenos podem assistir ao espectáculo dos animais maiores a fazer sofrer outros animais, ou mesmo, se os animais mais pequenos devem poder fazer sofrer outros animais. Alguns animais acham que esse espectáculo de fazer sofrer outros animais pode não ser bom para os animais pequenos, outros animais acham que não faz mal, a vida dos animais é assim.
Parece na verdade muito complicado o mundo dos animais. Talvez as coisas se alterem quando os animais mais pequenos acharem assim um bocado estranho haver uns animais grandes que se divertem a fazer sofrer outros animais.
Até lá, de vez em quando, teremos touradas.

REFORMA DO ESTADO SOCIAL: O KIT DE SOBREVIVÊNCIA, A CAMA DE CARTÃO E A MALA DE CARTÃO


A oferta por parte de uma empresa de camas de cartão para pessoas sem abrigo no Porto, de excelente qualidade e funcionalidade ao que parece, constituirá um ensaio da Reforma do Estado em preparação, sobretudo na área do chamado Estado Social.
No trabalho em curso com o dedinho de Paulo Portas e ao que consta, a peça fundamental, agora diz-se estruturante, da Reforma do Estado será a oferta a cada recém nascido de um "Kit de Sobrevivência" que será produzido e distribuído por empresas que ao abrigo da chamada responsabilidade social, se disponibilizarão, desinteressadamente é claro, para tal tarefa de cooperação.
Esse "Kit de Sobrevivência" virá com um "manual de instruções" para além do material básico de suporte de vida e será distribuído logo à nascença e a todos os cidadãos incluindo os nascidos em famílias que, apesar da situação complicada, têm mantido melhor nível de vida. Na verdade, como sábia e oportunamente lembrou o Dr. Fernando Ulrich, qualquer pessoa pode ficar numa situação de sem abrigo, o que torna o Kit de Sobrevivência imprescindível, sobretudo quando não se está preparado para aguentar as agruras da luta pela vida.
Como bem lembrou Passos Coelho, durante este período muito complicado verificou-se um processo de selecção natural através do qual faliram as empresas mais fracas restando somente as  economicamente mais fortes, citando, “Esta selecção natural das empresas que podem melhor sobreviver está feita”.
Creio que teremos o mesmo processo aplicado aos cidadãos, através da selecção natural, suportada pelas mais clássicas visões darwinistas, os cidadãos que sobreviverem serão, seguramente, os mais aptos, mais fortes e mais bem preparados para o futuro.
O Estado Social cumpriu a sua função, distribuir o Kit de Sobrevivência a todos. Se, ainda assim, a coisa correr mal teremos então o recurso à cama de cartão ou, sempre com a ajuda de algumas beneméritas empresas,  a oferta de uma mala de cartão para algumas pessoas se fazerem à estrada.
Depois, bom depois, quem for vivo contará.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

O SEM VERGONHISMO À SOLTA. AS RELVICES ESTÃO DE VOLTA

Creio que apesar de habituados ao despudor, nem o "Professor Marcelo", o mais conhecido adivinhador da nossa praça, esperaria que numa curiosa inversão de papéis, Passos Coelho tirasse da cartola ... o "Dr." Miguel Relvas como primeiro nome da sua lista para a nova(!) direcção do PSD. Trata-se, evidentemente, do primeiro passo para a reabilitação política desta sinistra personagem e se o tempo for suficiente poderá mesmo regressar ao Governo.
Esta decisão mostra o mais profundo desprezo pela ética política, pela inteligência das pessoas e pelo seu próprio partido.
Esta estranha atracção forjada no aparelho partidário, num projecto que levou Passo Coelho à liderança do PSD e, a seguir, do Governo, ou  na vida profissional envolvendo, por exemplo, um interessante programa de formação de técnicos de aeródromos de autarquias que nem sequer tinham tal infra-estrutura e que continua em investigação, resiste de uma forma que a racionalidade dificilmente explica.
Decididamente, batemos no fundo.
PS - À boleia do mesmo programa de reabilitação surgiu outra notável figura, o Dr. Menezes. Eles andam aí.

POLÍTICAS DE FAMÍLIA.? SIM, MAS A SÉRIO

Um estudo realizado pela Associação Portuguesa das Famílias Numerosas aos seus membros divulgado há pouco tempo concluiu que mais de metade dos inquiridos afirmou ponderar a hipótese de ter mais filhos se pudesse trabalhar a tempo parcial nos moldes anunciados recentemente pelo Governo em proposta que creio integrar o OGE para 2014.
Era importante conhecer o estatuto económico das famílias inquiridas. Na verdade, existem países cuja organização do trabalho contempla esta modalidade mas o salário médio, com a devida ponderação, não tem semelhança com a realidade portuguesa cujo salário médio é demasiado baixo para que o tempo parcial com redução de salário seja atractivo e suficiente para a maioria das famílias. Aliás, numa peça hoje divulgada no Público refere-se que de um acordo com um estudo do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa as famílias inquiridas entendem, que no nosso contexto, que o trabalho parcial prejudica as mulheres e não promove a natalidade.
Aliás, de uma forma completamente despudorada e com uma hipocrisia sem limites, o geniozinho Pedro Lomba, ajudante do génio Poiares Maduro afirmava em Novembro que esta possibilidade, os funcionários públicos poderem trabalhar a tempo parcial  coma óbvia redução de salário é uma medida "amiga da família". Como escrevi na altura, de uma forma absolutamente vergonhosa o mesmo Governo que aumenta o horário de trabalho da administração para as 40 horas semanais vem dizer que o facto de alguns funcionários, poucos que os vencimentos têm sido e vão continuar a ser cortados, poderem trabalhar menos, sacrificando parte do salário, é uma medida de apoio às famílias. Só faltou o Dr. Lomba afirmar que os despedimentos, perdão, a mobilidade especial, na administração pública se destinam  promover uma relação mais próxima e com mais tempo entre as famílias e entre pais e filhos. E dir-nos-á ainda que em casais com ambos desempregados, a família finalmente estará junta e com tempo.
As políticas de apoio às famílias requerem uma abordagem mais alargada.
Os salários baixos ou o desemprego são uma das razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa, como agora se diz, os projectos relativos a filhos. Por outro lado, Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que, naturalmente, é mais um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos. Esta é uma questão essencial e um enorme obstáculo, os filhos são muito caros.
Por outro lado, não pode ainda esquecer-se a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas.
Numa situação com níveis de desemprego e precariedade devastadores, o mercado de trabalho é de tal forma competitivo que para além de promover pagamentos indignos, migalhas que a sobrevivência obriga a aceitar, ainda exclui quem não possa ou não queira oferecer uma disponibilidade total. Sabemos todos que assim é.
Gostava ainda de recordar que em Julho de 2012 o FMI propunha apoiar as mães que voltem mais cedo ao trabalho, ou seja, apoiar as mulheres estivessem a trabalhar mais tempo, não perdendo horas de trabalho com essa coisa estúpida e desnecessária de cuidar dos filhos uns meses depois do nascimento.  Nesse sentido, defendia que em vez de apoio às famílias se atribuam apoios às mães trabalhadoras. Em Janeiro deste ano, também os burocratas do FMI defenderam que os apoios sociais à maternidade fossem objecto de tributação fiscal.
Curiosamente, são os países mais ricos, com menos desemprego, os que justamente têm menor rácio de horas de trabalho, casos da Alemanha e da Holanda, sendo ainda que nos países mais desenvolvidos e com menos desemprego também se assiste ao aumento do trabalho parcial.
Toda esta situação torna urgente, de facto, a definição de políticas de apoio à família com impactos a curto e médio prazo como, por exemplo, a acessibilidade aos equipamentos e serviços para a infância com o alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta está abaixo da meta estabelecida bem como combater a discriminação salarial e de condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas.
Considerando este cenário, defendo há muito a pertinência de, em sede de Concertação Social, avançar com propostas de alteração legislativa, sobretudo, na organização horária do trabalho que poderia, essa sim, ter impacto na disponibilidade dos pais.
Não me parece impossível que em muitas profissões os tempos de trabalho pudessem ter outra distribuição permitindo mais tempo com os filhos e menos tempo destes na escola o que seria um excelente contributo para a qualidade de vida das famílias.

O SALVÍFICO EMPOBRECIMENTO E A PROLETARIZAÇÃO DA ECONOMIA


Ter como preocupação quase exclusiva o abaixamento dos custos do trabalho através do aumento da carga horária e do abaixamento de salários não parece ser a forma mais eficaz de combater o desemprego, promover desenvolvimento e criação de riqueza.
É razoavelmente claro que a proletarização da economia não poderá ser a base para o desenvolvimento económico, mas sim o investimento e a disponibilização de crédito a custos razoáveis, sobretudo para as pequenas e médias empresas que de forma mais ágil criam emprego e emprego qualificado que não pode ter a indignidade dos salários que conhecemos.
O que precisamos é de coragem e visão sem subserviência ao ditado dos mercados e dos seus agentes para definir modelos económicos, sociais e políticos destinados a pessoas e não a mercados ou a grupos minoritários de interesses.

LITURGIA POLÍTICA

Na partidocracia em que vivemos existem uns actos litúrgicos, os congressos partidários, que estranhamente, ou não, merecem uma cobertura mediática que, do meu ponto de vista não se justifica na partidocracia em que nos atolámos.
Este fim de semana está a decorrer o Congresso do PSD e a imprensa está cheia de referências ao que por lá vai acontecendo. Como é habitual, do que por lá vai acontecendo, tal como nos Congressos dos outros partidos, pouca coisa se torna verdadeiramente importante para o chamado país real até porque boa parte do que lá é dito é quase que exclusivamente para consumo interno, ou repete a retórica diária presente nos discursos, como os apelos a consensos que se sabem impossíveis por não servirem aos partidos embora, eventualmente, pudessem ser úteis às pessoas.
Na verdade, os Congressos destinam-se a definir ou redefinir lideranças que previamente estão estruturadas, a realinhar e reforçar os apoios e a organização do aparelho, ou seja, a gestão das fidelidades e dos jogos de poder e de influência.
Os Congressos partidários servem também para dar "tempo de antena" a alguns "barões"do partido, os que estão na mó de cima, que mostram a sua influência e peso, a antuiguidade é um posto como diz o povo. A alguns "barões" na mó de baixo enviam-se alguns recados e, naturalmente surgem os imprescindíveis apelos à unidade em torno do projecto, da estratégia, isto é, do líder em funções. Quando mudar logo se vê e repete-se a liturgia.
Os Congressos partidários cumprem ainda uma outra função, disponibilizar uns minutos de palco, de fama, aos congressistas anónimos vindos do aparelho partidario mais afastado do poder central mas mais próximo do poder local, do país profundo, e que, quase sempre, fora da cobertura mediática, produzem inflamadas intervenções cheias de amor partidário que os poucos presentes, estas intervenções são habitualmente agendadas para horas "mortas", têm a generosidade de aplaudir.
Quando acabar o Congresso do PSD voltamos aos problemas das pessoas, o mundo não parou, apesar da afirmação bizarra de que o país está melhor embora as pessoas não o estejam, e aguardamos o Congresso do próximo partido para repetir a liturgia.

ESPERA

Hoje de manhã, com um dia de Sol bonito cá pelo Meu Alentejo, passei pelo lagar para saber se já estavam a entregar o azeite deste ano, embora ainda tenha algum.
Estranhei a quantidade da gente que estava no Lagar. Dirigi-me a uns companheiros e fiquei a saber que tal ajuntamento se devia ao facto de ser o primeiro dia da entrega de azeite.
Como é sabido, com mais do que um alentejano juntos há sempre um tempo para algumas lérias.
O tema foi a espera. A coisa começou porque um companheiro disse que esperamos que a azeitona seja boa, esperamos que não caia, esperamos para a entregar e, finalmente, esperamos ainda para levar o azeite.
Toda a gente concordou que passamos boa parte da nossa vida à espera de alguma coisa.
As lérias esmoreceram quando um Companheiro afirmou, "E sabem que mais? Quase sempre quando não estamos à espera ... vamos indo".
Foi na altura que voltei para o Monte, tinha à minha espera  e do Mestre Marrafa umas couves e umas alfaces para pôr na terra, uma enorme quantidade de erva à minha espera para ser cortada. Em vindo uns dias de Sol e com  a terra carregada de água como anda, é ver a erva crescer.
É verdade, as batatas já estão greladas e também estão à espera de irem para a terra.
Sempre a espera.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

A LER ...



Texto de António Guerreiro.

SÓ À BENGALADA


Li e apesar de viver em Portugal há muitas décadas ainda reli para ver se tinha percebido bem. Um rapaz, evidentemente dedicado ao serviço público e ao bem estar das populações do seu concelho, Baião, é eleito vereador pelo PSD. Entretanto, segue os conselhos do rapaz que manda, Passos Coelho, e emigra para Inglaterra. Agora reclama que lhe sejam pagas as viagens para participar nas reuniões da autarquia que se realizam duas vezes por mês. Notável de sem vergonhice.
Este pagamento está de acordo com a Lei pelo que nada haverá a objectar, afirma o missionário, de consciência tranquila, se soubesse, evidentemente, o que é consciência. 
Na verdade, é absolutamente inquietante é o despudor, a arrogância da indiferença, com que estes comportamentos são assumidos, acentuando de forma inacreditável os efeitos da pegada ética destes tempos. Todos os dias temos novos exemplos de discursos e comportamentos que insultam e degradam a vida cívica e a saúde ética da democracia.
Só à bengalada.

O MEC À DERIVA (enésimo episódio)

Provavelmente, de acordo com o guião idealizado pelo MEC, a notícia hoje divulgada pela FCT de que serão atribuídas ainda em 2014 mais 300 a 350 bolsas de doutoramento e pós-doutoramento, deveria provocar um generalizado aplauso da comunidade académica e científica, mas não só, pela lucidez e bondade da decisão. Lamento, mas não é possível.
Apesar deste aumento, pouco significativo para a dimensão dos cortes efectuados, hoje anunciado, a deriva, a incompetência, a manipulação de dados e manha dos discursos, a ofensa a milhares de investigadores que algumas declarações, Passos Coelho, Pires de Lima, Nuno Crato destacaram-se no "brilhantismo" das intervenções, a que se foram referindo a esta questão, não podem ser branqueadas por este rebuçado. Miguel Seabra o Presidente da FCT e a Secretária de Estado da Ciência, Leonor Parreira, têm sido figuras  menores nesta opereta.
Importa ainda afirmar que muitos dos projectos de investigação que foram recusados estarão ja irremediavelmente comprometidos, os prazos e formas de trabalho de institituições nacionais ou internacionais que funcionam de forma organizada e competente não se compadecem com este cataventismo irresponsável e pouco sério do ponto de vista intelectual.
A forma como tem sido tratada pelo MEC esta questão, recorda-me o modo como também foi tratando a matéria relativa ao número de professores necessários ao sistema educativo, em cada circunstância uma nova habilidade com os números e com as decisões, num inconsistente e insustentável discurso cheio "conjecturáveis ambiguidades".
Qual será o próximo número? 

A SAÚDE MENTAL DOS ATÍPICOS PORTUGUESES

Segundo estudos do Gabinete de Estudos e Projectos do Infarmed, o consumo de psicofármacos em Portugal aumentou exponencialmente entre 2000 e 2012. O consumo de antidepressivos mais do que triplicou, o de antipsicóticos aumentou 170% e o de ansiolíticos, sedativos e hipnóticos cresceu 6% mas é o grupo com maior consumo. Comparando com outros países europeus, Itália, Noruega e Dinamarca, o consumo de tranquilizantes em Portugal está bastante acima. Estes dados estão em linha com outros estudos. Recordo dados de 2007 divulgados pelo Alto Comissariado da Saúde referindo que em Portugal, em média, se verificava um consumo diário de 152,1 psicofármacos por cada mil habitantes, enquanto a média da EU para 2006 teria sido de 42,3, uma diferença significativa.
Aliás, já em 2011 o Infarmed referia que o consumo de psicofármacos em Portugal subiu 52% entre 2000 e 2009, sendo que os encargos do SNS com esta gama de medicamentos subiram 213% no mesmo período.
Relembro ainda que no final de 2010, um estudo da OMS sobre o universo da saúde mental revelava que em Portugal, dois em cada dez indivíduos sofrem de alguma forma de perturbação. Só mesmo os americanos parecem mais "perturbados" que nós e os espanhóis não chegam a atingir metade da nossa taxa de perturbação.
Parece ainda relevante sublinhar que a área de maior prevalência de problemas é a das perturbações da ansiedade o que até não surpreende face ao nosso quotidiano.
Sendo poucos os dados em que nos distinguimos pela positiva, e quando se verificam não são suficientemente valorizados o que traduz uma outra atipicidade nossa, começa a ser preocupante esta conjugação negativa de dados e padrões que nos caracterizam nas mais diversas áreas de funcionamento. Tudo isto representa uma séria ameaça à nossa auto-estima e à confiança que seria importante sentirmos o que alimenta, também, as situações de mal-estar que nos parecem caracterizar. Como se não bastasse ainda apareceram uma rapaziada de umas tais agências de rating que nos consideraram lixo.
Por outro lado, de há uns tempos para cá entrou no léxico comum da cena política uma terminologia vinda da área da saúde mental com efeitos que ainda não foram avaliados. Alguns exemplos. É muito frequente a referência a estados de depressão, o país está deprimido, os mercados estão deprimidos, algumas regiões portuguesas são consideradas deprimidas, etc. Diz-se com todo o à vontade que certos comportamentos políticos podem ser suicidas, seja de pessoas ou de partidos. Inventaram um quadro de claustrofobia democrática, seja lá isso o que for. Não há opinador, amador ou profissional, que não se refira a autismo, autista ou esquizofrénico para adjectivar discursos e comportamentos políticos. Aliás, deve recordar-se que a Assembleia da República aprovou uma moção no sentido de se não utilizar tal terminologia nos debates parlamentares. Multiplicam-se as referências a pessoas que assumem compulsivamente estratégias de vitimização, a comportamentos obsessivos ou alucinados, etc. Abundam as análises que sublinham a grave baixa auto-estima dos portugueses. A comunidade atribui o estatuto de inimputável ao Dr. Alberto João o que o deixa “à solta” dizendo ou fazendo a primeira coisa que lhe passa pela cabeça.
Neste contexto e considerando ainda a situação grave que o país tem vindo a atravessar, não é de estranhar que os portugueses depositem nos psicofármacos a esperança em dias melhores.
Temo que numa próxima versão do Diagnosis and Statistical Manual of Mental Disorders ainda possa surgir uma entidade clínica capaz de explicar esta estranha atipicidade dos portugueses e transformar-nos numa espécie de case study para a comunidade científica internacional, em diferentes áreas.
Já faltou mais.

AS PALAVRAS (MAL)DITAS


Esta gente não se enxerga. Não têm que ser humanos, no entanto, poderiam, pelo menos, tentar parecer. Na verdade, com alguma regularidade são produzidas afirmações que me deixam alguma perplexidade. Lembrar-se-ão as afirmações do Primeiro-ministro considerando que o "desemprego pode ser uma oportunidade para mudar de vida" e "não tem de ser visto como negativo". Recordo ainda os discursos aconselhando a emigração, a necessidade de se sair da "zona de conforto" ou ainda a famosa referência à necessidade de não sermos "piegas".
Umas notas breves, de um não especialista, sobre a questão da comunicação, sobretudo das lideranças políticas.
A primeira questão é exactamente essa, o peso social do mensageiro condiciona o conteúdo da mensagem, ou seja, a mesma frase não tem o mesmo valor afirmada por um cidadão comum ou proferida por uma figura com responsabilidades de decisão sobre a vida das pessoas. Assim sendo, as lideranças políticas assumem maior responsabilidade pelas afirmações que fazem.
Uma segunda nota prende-se com a justificação das afirmações, o seu conteúdo e forma. Todos os dias a imprensa e responsáveis de instituições de solidariedade social nos dão conta de situações de pessoas, milhares de pessoas, que estão a viver abaixo de um limiar que lhes garanta padrões mínimos de qualidade de vida, incluindo dificuldades de alimentação afectando crianças. Conhecemos muitas histórias de inacessibilidade a tratamentos e serviços de saúde por dificuldades económicas. Muitos milhares de famílias têm entregado as suas casas à banca por incumprimento de créditos, etc. Para muitas destas pessoas, afirmações como as que estão em análise são quase insultuosas e, portanto, inaceitáveis. Na verdade, este cenário devastador aumenta a pressão sobre o discurso dos líderes políticos, exactamente os que são responsabilizados pelos problemas ou, pelo contrário, de quem se espera a minimização desses problemas.
Pode sempre afirmar-se que haverá alguma razão nas afirmações ou que a intenção não é a de desvalorizar os dramas que afectam muitos milhares de pessoas.
No que respeita à eventual razão, mesmo que em algumas situações pudessem ser entendidas, toda a gente as ouve pelo que não podem deixar de se sentir envolvidas e agredidas. Quanto à intenção, a sua não existência, e acredito que não exista, não colhe. Numa certa altura do desenvolvimento dos miúdos, o seu desenvolvimento moral e intelectual leva-os a considerar que a sua não intenção de realizar algo, desculpa o que aconteceu, tal entendimento traduz-se no frequente "foi sem querer" e como "foi sem querer", não tem problema.
A questão é que os líderes políticos, os que verdadeiramente são líderes, apesar de não possuírem, felizmente, o dom da infalibilidade e da perfeição, não podem, não devem proferir determinadas palavras e persistirem teimosamente na sua afirmação.
São palavras (mal)ditas.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

A MINHA ESCOLA


A minha escola é uma escola pequena. Dessas que estão a fechar, parece que já não há alunos.
Na minha escola ensinam-me muitas coisas. As que eu já sabia, mas não sabia que sabia e as que preciso de saber mas não sabia que precisava. Também gosto da minha professora. É mesmo professora. Sabia o que eu sabia e ainda sabia o que eu precisava de saber e ainda não sei.
Também gosto dos meus colegas e gosto de gostar deles, são meus amigos. Eles também gostam de mim e eu gosto quando gostam de mim.
Pronto. Já acabei o trabalho sobre a escola que eu gostava de ter.

ATÉ À SOLUÇÃO FINAL


Apesar de algum "cataventismo" episódico, opiniões divergentes dos seus técnicos e responsáveis, as instâncias internacionais que nos governam, a Comissão Europeia ou o FMI, por exemplo, insistem no empobrecimento definitivo dos portugueses.
Ainda entendem que, embora os funcionários da administração tenham empobrecido e vão saindo, os trabalhadores do sector privado bem como pensionistas e beneficiários de apoios sociais ainda continuam a ter rendimentos excessivos pelo que exige a sua redução.
Apesar dos indicadores de natureza macro mostrarem alguns sinais mais positivos, as pessoas, muitas pessoas, demasiadas pessoas, vivem não acima das suas possibilidades, como alguns abutres entendem, mas abaixo das suas necessidades, como quem conhece a vida da gente muito bem sabe.
A solução final estará próxima.
As pessoas (sobre)vivem de quê?

QUALQUER DIA PRECISAMOS DE UM CANALIZADOR E NÃO TEMOS

O Ministro Nuno Crato tem toda a razão, precisamos de técnicos competentes. Como sempre dizemos, "qualquer dia queremos um canalizador e não temos". Não pode ser, não podem ser todos "doutores, "ter um canudo na mão", como diz o Ministro na notável entrevista ao Jornal de Negócios.
As coisas devem funcionar como deve ser e o Ministro esforça-se nesse sentido. Como a OCDE, em relatório ontem referenciado na imprensa, mostrava, o nosso sistema educativo não promove mobilidade social e assim vai continuar por obra e graça da visão genial do Ministro da Examinação.
O Ministro Nuno Crato apoia a "liberdade de educação", isto é, apoia o ensino privado para que receba os alunos que reúnem melhores condições de sucesso, os das famílias mais qualificadas economica e socialmente, e a escola pública ficará com os descamisados, preguiçosos, desmotivados, que não "querem ter um canudo na mão". Assim, constitui-se a elite necessária a tomar conta dos destinos do país. Por outro lado, estrutura-se o "ensino vocacional logo cedinho antes que essa malta tenha outras ambições e formam-se "técnicos competentes" à medida das necessidades das empresas.
Missão cumprida.

A CARNAVALESCA TOLERÂNCIA

A tolerância é um bem precioso na vida das comunidades e uma das dimensões mais importantes da democracia. A luta pela democracia tem sido a luta pela tolerância.
É sempre um processo em aberto, tomando, cito Camões, novas qualidades. Agora chega o tempo de discutir a tolerância de ponto. 
O Governo, numa intolerante decisão, decidiu não conceder tolerância de ponto na terça feira de Carnaval aos funcionários da administração pública. O argumento, como vai sendo habitual, radica na produtividade o que traduz o equívoco de que a produtividade é exclusivamente consequência de mais trabalho e não de melhor trabalho.
Por outro lado, em muitos sectores levantou-se uma intolerante contestação à decisão do Governo. A argumentação radica nos direitos adquiridos, no “timing” da decisão e nos eventuais impactos económicos em regiões onde existe a indústria do Carnaval.
Como o povo costuma dizer, “Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”, nem tolerância acrescento eu. Numa outra abordagem, mais tolerante, poderíamos dizer que todos têm razão.
Acontece que, como era de prever, a tolerância é algo a que uns acedem outros não. O sector privado, boa parte dele, vai beneficiar da tolerância, está nos regulamentos e temos os supra-citados direitos adquiridos. Na administração surgem também excepções. Alberto João com a tolerância que o caracteriza irá, como de costume, decidir que na Madeira há tolerância, algo que ele nem precisava de dizer, nós conhecemos a tolerância existente na Pérola da Atlântico. Ao que se começa a saber também várias autarquias já decidiram ou vão decidir pela existência da tolerância.
Este processo, ele próprio já inscrito, na época carnavalesca é elucidativo. A tolerância não é para todos, é um bem precioso mas de difícil administração, até a tolerância de ponto.
Continuemos, pois, tolerantes para com o mundo e para com as pessoas que o infernizam.

EI-LOS QUE PARTEM, VELHOS E NOVOS


Muita desta gente parte com amargura de uma terra, a sua, onde sentem que não cabem e o futuro … é um sonho impossível.
"Virão um dia ricos ou não ... virão um dia ou não."

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

O CRIME NÃO COMPENSA. ÀS VEZES. O referendo sobre a co-adopção e adopção foi recusado

Como seria previsível, o Tribunal Constitucional não deu cobertura à manhosa e eticamente delinquente manobra do rapaz da JSD, obviamente encomendada pelos mais crescidos, relativa à proposta de um referendo sobre a adopção e co-adopção de crianças por parte de casais homossexuais.
Muito caminho há a percorrer numa matéria em que dificilmente se estabelecerão consensos a curto prazo mas é importante a decisão do TC.
Creio que de imediato a não realização do referendo pode serum forte contributo para acautelar os direitos dos miúdos e o seu bem-estar nos casos de co-adopção e permitir que, se possível, de forma serena e aberta se pense nos miúdos e no seu bem-estar considerando a adopção.
Repito o que já escrevi e afirmei muitas vezes. O que faz com toda a certeza mal às crianças, é serem maltratadas e os maus tratos não decorrem do tipo de famílias, mas da competência humana e educativa, por assim dizer, de quem delas cuida, pais, mães ou educadores. Quando as crianças são bem tratadas e crescem com adultos que gostam delas, as protegem e as ajudam a crescer, elas encontram caminhos para lidar com dois pais ou com duas mães.
Insisto, o que as crianças quase sempre não sabem como resolver é quando têm por perto adultos, heterossexuais ou homossexuais, que não gostam delas, que as maltratam, negligenciam, abandonam, etc. Isso é que faz mal às crianças.
O resto é uma discussão não conclusiva, assente em valores de que não discuto a legitimidade, mas que não podem ser confundidos com um discurso de defesa das crianças de "males" que estão por provar como a generalidade dos estudos mostra.
Parece bem mais importante defendê-las dos males comprovados e que todos os dias desfilam aos nossos olhos.

MENOS ALUNOS → MENOS PROFESSORES, UM DÉJÀ VU

Para ir preparando a continuidade de um processo de cortes brutais no número de professores no sistema educativo público vão-se divulgando os dados da demografia escolar e anunciando o abaixamento do número de alunos para os próximos anos. Preparem-se, pois, mais uns milhares de professores para a tentativa de oferta de uma guia de marcha para fora da escola.
A análise dos dados demográficos e da saída de docentes nos últimos anos mostra com clareza que a justificação da demografia para os cortes no número de professores carece de sustentação e são bem mais resultado da PEC - Política Educativa em Curso que das variações do número de alunos. Vejamos alguns exemplos.
Em primeiro lugar, a mudança no número de professores necessário decorre do aumento do número de alunos por turma que, conjugado com a constituição de mega-agrupamentos e agrupamentos leva que em muitas escolas as turmas funcionem com o número máximo de alunos permitido e, evidentemente, com a as implicações negativas que daí decorrem.
As mudanças curriculares com a eliminação das áreas não curriculares que, carecendo de alterações registe-se, também produzem um desejado e significativo “corte” no número de professores, a que acrescem outras alterações no mesmo sentido.
O Ministro “esquece-se” obviamente destes “pormenores”, apenas se refere à demografia e aos recursos disponíveis para, afirma, definir as necessidades do sistema.
Por outro lado, o Ministério tem também vindo a sustentar o número de vagas definido com “a actual conjuntura económica e financeira” pelo que promove “a empregabilidade possível”, sendo que as “vagas colocadas a concurso foram definidas em função das necessidades reais e futuras do sistema” o que aliás nem sequer corresponde ao que na verdade aconteceu e, provavelmente, irá acontecer.
Como já tenho referido, parece-me claro que a questão do número de professores necessário ao funcionamento do sistema é uma matéria bastante complexa que, por isso mesmo, exige serenidade, seriedade, rigor e competência na sua análise e gestão, exactamente tudo o que tem faltado nesta matéria, incluindo a alguns discursos de representantes dos professores.
Para além da questão da demografia escolar que, aliás, o MEC tratou de forma incompetente e demagógica, importa não esquecer uma multiciplicidade de aspectos como variáveis de natureza organizacional das escolas e agrupamentos, variáveis de contexto que num quadro real de autonomia solicitam diferenciação nos recursos docentes das escolas e agrupamentos, adequação dos recursos em matéria de apoio ao trabalho de alunos e professores, etc., etc.
No entanto, à cautela e com efeitos preparatórios, já se vai avisando que o número de alunos vai ser revisto em baixa. Tal como o dos professores.

BOA IDEIA ...

... esta.

TAL PAI, TAL FILHO

Uma análise da OCDE, cruzando os resultados escolares dos alunos de diferentes países no Estudo comparativo PISA relativos a 2012 com as profissões dos pais, mostra que em Portugal, mais do que noutros países, os filhos de pais mais qualificados têm melhores resultados. Esta constatação não surpreende, estando em linha com estudos anteriores.
Algumas notas. Desde sempre que os estudos, designadamente no âmbito da sociologia da educação, associam a carreira escolar e o estatuto profissional dos filhos ao nível de escolaridade e estatuto económico dos pais. Também sabemos que isto é tanto mais evidente quanto maiores são os níveis de desigualdade. Em Portugal verifica-se um dos maiores fossos entre ricos e pobres da União Europeia pelo que a relação entre os níveis escolar e salarial dos pais e os dos filhos é ainda mais forte. O Relatório da OCDE  vem, mais uma vez, confirmar a realidade que conhecemos, a incapacidade da escola de promover mobilidade social, ou seja, o nível de escolaridade dos pais marca de forma excessiva o nível atingido pelos filhos. A situação sempre assim foi, ainda me lembro de quando era pequeno, haver quem se admirasse do meu pai, um serralheiro, ter decidido que eu continuaria a estudar.
Acresce que as circunstâncias conjunturais, provavelmente estruturais, que vivemos permitem, aliás, admitir uma mobilidade social descendente produzindo uma classe de "novos pobres", que tendo anteriormente ascendido a patamares médios se sentem agora em processo significativo de degradação das condições e qualidade de vida. Neste contexto, a que se junta uma política educativa que parece ter como desígnio a promoção de uma espécie de darwinismo socioeducativo, em que por sucessivos processos de selecção que não garantem equidade nas oportunidades, a educação e a qualificação não promoverão mobilidade social ascendente.
Deste quadro, resulta uma complexa situação que poderemos de forma simplista colocar nestes termos, a escola ao acabar por reproduzir a desigualdade social à entrada, compromete o papel fundamental que lhe cabe na promoção da mobilidade social, ou seja, a escola que deveria ser parte da solução, na prática, corre o risco de continuar a ser parte do problema. No entanto e apesar disto, creio que muito poderá e deverá ser feito no sentido da promoção efectiva da chamada e distante igualdade de oportunidades.
Do meu ponto de vista, muitas vezes aqui afirmado, a questão central é a qualidade na escola pública. Esta qualidade deverá assentar em três eixos fundamentais, a qualidade considerando resultados, processos e gestão optimizada de recursos, segundo eixo, qualidade para todos, a melhor forma de combater os mecanismos de exclusão e a desigualdade de entrada e, terceiro eixo, diversificação dos percursos de educação e formação. Esta diversificação deve passar, e temos registado progressos nesta área, por uma oferta bastante mais variada ao nível do secundário possibilitando a muitas jovens completar este nível de ensino com competências profissionais, isto é que é fundamental. Também ao nível do ensino superior, com o trabalho no âmbito do ensino politécnico se criam condições para processos de qualificação mais curtos e mais diversificados.
No actual cenário, quando se entende e espera que a educação e qualificação possam ter um papel decisivo na minimização de assimetrias, as políticas, os custos e a dificuldade de acesso podem, pelo contrário, alimentar essas assimetrias e manter a narrativa, "tal pai, tal filho", pai letrado, filho letrado e pai pouco letrado, filho pouco letrado.
Assim sendo, urge a definição de uma política educativa para o médio prazo, estabelecida com base no interesse de todos, com definição clara de metas, recursos, processos e avaliação. A continuar na deriva a que nas última décadas nos entregamos, daqui a algum tempo a OCDE virá dizer exactamente o mesmo.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

ESPELHO MEU, ESPELHO MEU

Era uma vez um Rapaz. Andava na escola mas não gostava muito. Não era bom aluno. Havia muitas coisas que não sabia e, para dizer a verdade, nem percebia bem porque precisava de saber parte das coisas que lhe queriam ensinar. Como não estava interessado, acabava por não se comportar muito bem nas aulas.
Lá na escola não gostavam muito dele, nem os professores, nem muitos colegas. Bom, o Manel e o João que eram assim como o Rapaz, gostavam dele e os três davam-se bem.
E a sua vida lá ia andando, entre os ralhetes dos adultos, o desgostar das aulas e as asneiras com o Manel e o João.
Um dia, ao sair de casa a caminho do que viesse, ia a pensar em mais um dia igual aos outros, quando na sua frente vê um enorme espelho. Mesmo muito grande. Espantado olhou para o espelho, à espera de ver devolvida uma imagem sua tamanho gigante, mas não foi isso que viu. O espelho só tinha escrito frases que, a custo, começou a ler. “Rapaz, não prestas”, “Rapaz, não sabes”, “Rapaz, não és capaz”, “Rapaz, não vais ser alguém”, “Rapaz, só fazes asneiras”, “Rapaz, os teus amigos são tão maus como tu”, “Rapaz, não vales nada”. 
Não leu mais. Pegou numa enorme pedra e, com raiva, estilhaçou o espelho.
O Rapaz apanhou um castigo grande porque não se podem partir os vidros da escola.

O MILAGRE ECONÓMICO ...

... em modo motorizado.

PELA NOSSA SAÚDE



Nos últimos tempos, as questões da saúde têm estado na agenda pelas piores razões, esperas inaceitáveis nas urgências hospitalares, dificuldades no acesso aos medicamentos mais recentes, atraso na realização de exames como colonoscopias com consequências gravíssimas, etc.
Como é evidente, todas estas situações estão associadas ao quadro económico que atravessamos e às políticas agressivas de austeridade que têm vindo a ser impostas embora o Ministro da Saúde se esforce por nos convencer de que consegue “fazer omeletes sem ovos”, por assim dizer.
No que concerne aos gastos com a saúde recordo que considerando os países da Europa ocidental, Portugal tem o gasto per capita mais baixo, 2690 dólares, cerca de 1990 euros.
A este propósito, os custos da saúde, relembro ainda um Relatório da OCDE, divulgado em Fevereiro de 2013, “Health Spending Growth at Zero –Wich Countries, which sectors are most affected?” com alguns dados interessantes. O Governo português cortou o dobro do que estava definido no negócio acordado com a Troika. As contas portuguesas do sector da saúde terão caído em 2011 5,2% face a 2010, a média de toda a OCDE foi um crescimento de 0,7%. Em 2013 a saúde teve 5,1% do PIB, a média da zona euro é de 7%. Estes dados são elucidativos da política de cortes, custe o que custar e que continuam e se acentuam.
O mesmo relatório alerta para os impactos a prazo, sobretudo quando se atravessa um período alargado de perdas muito significativas do rendimento disponível das famílias. Aliás, é importante referir que, ainda de acordo com a OCDE, em 2010, já bem dentro do quadro de dificuldades, os portugueses continuavam a ser dos que mais pagam directamente do seu bolso despesas com saúde, 26% face aos 20,1% da média dos 34 países da OCDE.
Estes dados, apesar de desmentidos pelo Ministério da Saúde, parecem-me extremamente importantes no âmbito da discussão em aberto sobre a reforma do estado e das suas funções e o quadro a que estamos a assistir.
Na verdade, quando tanto se questiona os fundamentos do estado social e o peso destas funções no OGE, parece razoavelmente claro que Portugal tem, no sector da saúde mas não só, um investimento inferior ao de outros países.
Quando sempre que se decidem cortes, a saúde, tal como outras áreas sociais, são alvos privilegiados, os dados do Relatório da OCDE sustentariam outro caminho.
Embora seja importante ponderar a organização, eficácia e custos do chamado estado social, por exemplo na saúde, é fundamental perceber e entender que a comunidade tem sempre a responsabilidade ética de garantir a acessibilidade de toda a gente aos cuidados básicos de saúde. Os tempos que atravessamos criando obstáculos ao acesso aos serviços de saúde a que se acrescentam as dificuldades criadas aos próprios serviços no sentido garantirem o cumprimento da sua missão são ameaçadores dos padrões mínimos de bem-estar e qualidade da assistência em matéria de saúde.
Como afirma Michael Marmot, que há algum tempo esteve em Portugal, todas as políticas podem, ou devem, ser avaliadas pelos seus impactos na saúde.
Talvez a ideia do "custe o que custar" fosse de repensar, pela nossa saúde.