Pela primeira vez em Portugal, chega a Tribunal o pedido de uma mulher no sentido de usar o sémen do marido, entretanto morto, para através do processo de inseminação artificial, cumprir o sonho de ambos, ter filhos.
Na altura em que se propunham alargar a família foi diagnosticado um cancro no homem. Considerando o risco de infertilidade decorrente do tratamento oncológico, decidiram-se pela recolha e preservação do sémen. Tragicamente o marido acabou por falecer e a mulher continua atrás do sonho de ambos, agora em tribunal. Alega de uma forma simples que se por acaso o marido falecesse durante o período em que estivesse grávida, a criança também nasceria sem pai.
Não conheço os contornos legais aplicáveis a este tipo de situações e, naturalmente, há que considerá-los. No entanto creio que outros aspectos são de reflectir.
Em primeiro lugar e desde logo as circunstâncias da situação, a doença, o adiar da maternidade e a morte do marido.
Em segundo lugar e mais importante, a questão da maternidade desejada da mulher. Poder-se-á de forma fria considerar que, cumprido o luto, ou não, uma nova relação na vida da mulher poderá proporcionar essa desejada maternidade criando uma família, pai mãe e filho e ultrapassar o que alguns poderão considerar um devaneio bizarro. No entanto, este modelo é apenas um dos muitos modelos de família e não é garantia de mais bem-estar para ninguém.
Por outro lado, haverá quem duvide da razoabilidade de um morto ser pai e de uma criança nascer de um pai que não virá a conhecer. Por variadíssimas razões esta situação pode acontecer sem que, só por si, implique sofrimento para a criança ou para o progenitor sobrevivente.
Finalmente, sem hipocrisias, todos conhecemos situações familiares "normais" em que as crianças não são desejadas, são maltratadas sem que a comunidade consiga de forma eficaz proteger a qualidade de vida desses miúdos.
Mais do que as implicações legais que serão discutidas em tribunal, esta situação levanta questões que interpelam os nossos valores sobre estas matérias, que interrogam sobre a compreensão do pensamento do outro, enfim, sobre a complexidade da nossa vida.
2 comentários:
Se lhe for dada razão, então qualquer mulher singular passará a ter direito a recorrer à inseminação artificial.
O desejo da senhora ser mãe é tão válido como o de qualquer outra mulher. Ter o sémen do marido congelado não faz qualquer diferença.
Marte
Vou ser muito breve...
O marido falecer durante a gestação da criança, seria uma contingência da vida.
Agora que através da inseminação artificial usar sémen do marido já morto, para ter um filho... É fabricar um órfão de pai.
Não chega os que já existem digamos que de orfandade natural?!
Para mim não há direitos humanos que possam sustentar tal pretensão.
A Senhora teve um impulso emocional... Ou quer ser notícia.
"Poder-se-á de forma fria considerar que, cumprido o luto, ou não, uma nova relação na vida de mulher..." E até ao final do seu texto, estou plenamente de acordo.
saudações
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