A dimensão que em Portugal têm assumido os movimentos de protesto ao abrigo da expressão chavão "Indignados" obedece ao velho paradigma da percepção da quantidade de água no copo, para uns estará meio cheio, para outros meio vazio. Dito de outra maneira, para alguns poderemos estar no começo de uma mudança, para outros estaremos perante algo de inconsequente.
Como já tenho tido oportunidade de referir, estas movimentações são atentamente seguidas pela partidocracia instalada. Se repararmos nos discursos produzidos, A oposição exprime apreço e, mais ou menos explicitamente, apoia a "indignação" e mesmo os que actualmente ocupam o afirmam a sua inteira "concordância" com o direito à indignação. Ninguém quer, como é óbvio, perder alguma forma de boleia na indignação dos cidadãos, dos que estão presentes nas diversas movimentações e, sobretudo, dos ausentes mas que se sabe sentirem-se, só podem, indignados.
Do meu ponto de vista, as grandes e graves questões que têm produzido a reacção de indignação e, portanto, os movimentos de indignados, dificilmente serão significativamente alteradas sem algo de estruturalmente diferente em matéria de organização do trabalho, modelos de desenvolvimento económico, refrescamento da organização política e alterações culturais e éticas entre as elites políticas, culturais e económicas. O problema é que, entre os que em Portugal plausivelmente podem ascender ao poder nos tempos mais próximos, não se vislumbra projectos e visões que alterem significativamente o quadro instalado, são, diria, mais do mesmo. A partidocracia instalada, designadamente a que se move no chamado arco do poder tem, basicamente, o mesmo entendimento sobre os modelos de desenvolvimento económico, político e social que nos fizeram chegar aqui. Quem fez parte do problema, dificilmente pode fazer parte da solução. Se fizeram como fizeram e defendem o que têm defendido porque milagre ou mistério farão diferente?
Neste cenário, podem estabelecer-se duas perspectivas de continuação a curto e médio prazo. Uma primeira hipótese assenta num progressivo e rápido fortalecimento do movimento de indignação e revolta que escape ao controle da partidocracia e dos seus dispositivos, parte do movimento sindical organizado por exemplo, potenciando e agregando mais zonas e franjas de descontentamento criando uma pressão incomportável para o sistema que o obrigaria a alterações significativas, uma espécie de arabização de brandos costumes. Nesta primeira hipótese importa ainda considerar as reacções no quadro da União Europeia, sendo ainda que importa considerar o que noutros países "rua" for mostrando. O exemplo da Grécia está sempre presente.
Numa segunda hipótese, este movimento de indignação, nesta fase ainda disperso, pouco estruturado, pode acabar engolido pelos meandros da partidocracia tendo representado apenas um sobressalto inconsequente e rapidamente acomodado, mantendo alguma actividade de contestação visível que o próprio "sistema" verá com bons olhos e "acarinhará" como forma de drenar o descontentamento e legitimar a "democracia" das suas decisões.
De qualquer forma, com alguma dose de realismo e segurança, certo, certo, é o período de enormes dificuldades que boa parte de nós vive e a desesperança que parece instalar-se e que nos ameaça o futuro. Produzirá indignação que chegue?
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