Num trabalho realizado pelo Público junto de um grupo significativo de estabelecimentos de ensino superior, constata-se que, face a igual período do ano passado, aumentou 6% o número de desistências do ensino superior por efeitos da crise. Esta percentagem corresponde a cerca de 3300 estudantes o que é significativo. As dificuldades económicas, a dificuldade no acesso a bolsas e o aumento de propinas são os motivos identificados. Na linha do que já aqui tenho referido, alguma notas.
Desde o início tenho afirmado que o processo de reforma no ensino superior mais conhecido pela "Reforma de Bolonha" radicou mais em questões económicas que de natureza científica, curricular ou de mobilidade envolvendo estudantes e professores. O encurtamento do chamado grau de licenciatura para três anos e a criação do 2º ciclo, o grau de mestrado, possibilitou que na grande maioria dos cursos passassem a ser as propinas dos alunos a financiar o 2º ciclo.
Neste novo quadro, as instituições de ensino superior público adequaram a sua oferta de 2º ciclo, os mestrados, a esta realidade e entrámos naquilo a que alguns chamam o funcionamento do mercado, através da lei da oferta e da procura em que, acreditam outros, radica a qualidade. É conhecido o elevado custo dos mestrados que em algumas áreas e em algumas instituições podem atingir preços muito elevados.
Seria ingenuidade excessiva não perceber que as leis do mercado, sempre o mercado, teriam de chegar também ao ensino superior público e também entendo que compete a estudantes e famílias uma parte importante no investimento na formação e qualificação profissional.
No entanto, conhecendo o tecido social e cultural português, longe obviamente dos modelos americanos que alguns defendem, temo que esta entrega às leis do mercado e às capacidades das famílias, alimentem algo que é, ainda, uma característica do sistema educativo português e que os relatórios internacionais reconhecem, o baixo impacto da educação na mobilidade social. Dito de outra maneira, os indivíduos com origem em grupos sociais mais favorecidos são os que tendencialmente obtêm melhores níveis de qualificação e repete-se o ciclo. Neste quadro, a redução significativa das bolsas e apoios, as dificuldades enormes que muitas famílias atravessam e o desemprego mais elevado entre os jovens, que poderia constituir uma pressão para continuar os estudos, a que acrescem as elevadas propinas, designadamente no 2º ciclo, tornam ainda mais difícil a realização de percursos escolares que promovam mobilidade social e que se traduz, por exemplo, no aumento das desistências.
Quando se espera e entende que a minimização das assimetrias possa, também, depender da educação e qualificação, o seu preço, longe de as combater, alimenta-as.
É preocupante.
2 comentários:
O modelo social Americano e o Europeu são diametralmente distintos. Costuma-se dizer nos Estados Unidos que, por exemplo, se querem um sistema de saúde como na Europa têm de se habituar à ideia de pagarem impostos como se pagam na Europa. O facto é que na Europa se pagam várias vezes mais impostos que nos Estados Unidos, mas por exemplo, um estudante nos Estados Unidos chega ao final do curso atulhado em dívidas. "You can't have it both ways", é o que costumam dizer.
Agora o que eu acho preocupante é na Europa começarem a implementar o "American way" sem que isso leve a menos impostos. Por exemplo em Inglaterra agora os estudantes pagam obrigatoriamente 9 mil libras de propinas, num empréstimo concedido pelo governo que começam a pagar mal acabem o curso e os ordenados deles ultrapassem as 21 mil libras anuais. Ou seja: cada estudante chega ao final do curso altamente endividado, sem que os impostos lá sejam muito menores do que em qualquer outro país da Europa.
Em Portugal, e como há o hábito de se importar tudo de fora sem se pensar muito bem nas coisas, deve ter havido quem achasse que isto era de génio, o que aliás não deve estranhar vindo de pessoas que sabendo que os quadros superiores do país são paupérrimos se orgulha de exportar cérebros.
A palavra de ordem em Portugal não é portanto a mobilidade social mas sim a regressão social, o que aliás não deveria estranhar a ninguém. É que uma boa medida da qualidade da nossa democracia está na educação da sua população, sendo que de modo inverso no manual de qualquer ditador que se preze entre as primeiras medida a tomar está sempre o "emagrecimento" das elites. Por alguma razão o estado novo funcionou lindamente num Portugal profundamente atrasado e teve depois tantos problemas quando o ensino superior começou a despontar. E quem diz Portugal podia dizer também muitos outros países. É que isto de se saber usar a cabeça não funciona bem com o comer e calar.
Oras, eu não quero ser mauzinho, mas aposto que não há quem falte hoje em dia que suspire por esses tempos "idílicos" duma elite extremamente reduzida a mandar e tudo o resto embrutecido a comer e calar, mesmo que isso signifique pelo caminho deixar o país numa miséria: de momento que estejamos "do lado certo" que importam os outros?
Pois é Luís, daí a minha preocupação.
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