Com a divulgação pelo INE dos devastadores números do desemprego em que, como sempre em situação de crise, as franjas mais atingidas são os mais novos (a entrada no mercado de trabalho) e os mais velhos (extinção de postos de trabalho e falta de qualificação) alguma imprensa volta à questão do elevado número de licenciados jovens no desemprego. É verdade que existe uma franja muito significativa de jovens licenciados entre os desempregados mas a imprensa não pode tratar a questão como se o desemprego dos jovens fosse causado por terem qualificação. Mais uma vez, creio que se justificam algumas notas.
Primeiro, os jovens licenciados não estão no desemprego por serem licenciados, estão no desemprego porque temos um mercado pouco desenvolvido e ainda insuficientemente exigente de mão de obra qualificada e estão no desemprego porque, por desresponsabilização da tutela, a oferta de formação do ensino superior é completamente enviesada distorcendo o equilíbrio entre a oferta e a procura tal como a peça do Público indicia. Os trabalhos jornalísticos sobre esta questão deveriam ir mais longe no sentido de se perceber como a demissão e a negligência da tutela do ensino superior permitiram a instalação de oferta de ensino superior completamente desequilibrada (cursos em excesso em várias áreas) e a instalação de cursos de banda estreita, oferecidos com publicidade enganosa, obviamente destinados a dificuldades na entrada no mercado de trabalho. Uma pesquisa sobre a designação de muitos cursos além de coisas verdadeiramente anedóticas mostraria bem como qualificando à partida de forma tão direccionada (a banda estreita), rapidamente se esgota a capacidade de absorção do mercado de trabalho. Alguns exemplos retirados da página da DGES sobre a oferta de mestrados, cinco anos de formação universitária, a duração mais habitual: Políticas de Bem Estar em Perspectiva: Evolução Conceito e Actores; Gestão e Sustentabilidade no Turismo; Envelhecimento Activo; Fruticultura Integrada; Psicoacústica; Design do Produto; Marketing Relacional; Negócios Internacionais; Resolução Alternativa de Litígios; Solicitadoria de Execução;bBiorremediação; Marketing Research; Aconselhamento e Informação em Farmácia; Ciências da Complexidade; Estudos Sociais da Ciência; Gestão de Mercados de Arte; Instituições e Justiça Social, Gestão e Desenvolvimento; Novas Fronteiras do Direito; Branding e Design de Moda; Estudos Regionais e Locais; Design e Desenvolvimento de Fármacos; Alimentação - Fontes, Cultura e Sociedade; Ciências da Paisagem; Psicomotrocidade Relacional; Anatomia Artística; Gestão Integrada de Relvados Desportivos e Ornamentais; História Marítima; Geomática Ambiental; Comunicação de Moda; Comunicação e Desporto; Ciências Gastronómicas; As Humanidades na Europa: Convergências e Aberturas; Metropolização, Planeamento Estratégico e Sustentabilidade; Gestão de Pessoas. Conhecendo-se a realidade social e económica do país será curioso perceber o nível de empregabilidade de alguma desta oferta formativa, não estando em causa, não conheço, a qualidade dos seus contéudos.
No que respeita ao mercado de trabalho é, mais uma vez, de sublinhar que muitas empresas, sobretudo as de menor dimensão (as que asseguram cerca de 95% do emprego), provavelmente também devido ao baixo nível de qualificação dos empresários (é um dos mais baixos da UE e, estranhamente, nunca é associado a esta questão), revelam-se as mais avessas à contratação de mão de obra qualificada. Deve também sublinhar-se que este universo, pequenas e médias empresas, salvo algumas excepções de nicho, é também o segmento com menor inovação e desenvolvimento pelo que a absorção de mão de obra qualificada é ainda mais difícil.
Por outro lado, se atentarmos em dados da OCDE e do INE, sabemos que um trabalhador licenciado ganha em média mais 80% que alguém com o ensino secundário. Um indivíduo com a escolaridade básica recebe em média menos 57% que alguém com o Ensino Secundário. Apenas 7.5% de pessoas com o 9º ano recebem duas vezes mais que a média nacional enquanto licenciados a receber duas vezes mais que a média são quase 60%. Os filhos de pais licenciados têm 3,2 vezes mais probabilidades de obter uma licenciatura. Entre os 25 e os 34 anos, 19% dos jovens tem uma licenciatura enquanto na OCDE a média é 32%. Em Portugal, o número de licenciados é metade da média da União Europeia. Na franja entre os 35 e 44 anos a percentagem ainda baixa para 13%. Um indivíduo com apenas o básico corre um risco de pobreza 20 vezes superior ao de um indivíduo com um curso superior.
Quanto à questão da precariedade que atinge os jovens licenciados à entrada no mercado de trabalho, aspecto dramático e inibidor da construção de projectos de vida, é bom ser absolutamente claro, esta situação não atinge os jovens licenciados por serem licenciados, atinge toda a gente que entra no mercado de trabalho porque a legislação e regulação do mercado conduzem a esta situação, trata-se dos efeitos da agenda liberal e não o efeito da qualificação dos jovens, é bom que se entenda.
Deste quadro, releva a absoluta imprudência de passar a mensagem de que a formação é irrelevante, o desemprego é o destino como muitas vezes esta questão é tratada, embora o trabalho de hoje do Público coloque algumas das questões que aqui aflorei de forma telegráfica.
A qualificação profissional, de nível superior ou não, é essencial como também é essencial a racionalidade e regulação da oferta do ensino superior e, naturalmente, a regulação eficaz do mercado de trabalho minimizando o abuso do recurso à precariedade.
Como sempre que abordo estas matérias, finalizo com a necessidade de, uma vez por todas evitar o discurso "populista" do país de doutores. Trata-se de um enorme erro e pode desincentivar a busca por qualificação o que terá consequências gravíssimas.