sábado, 14 de maio de 2011

TROCA-TINTAS

Nos meus tempos de gaiato, a avó Leonor, uma das mulheres mais fantásticas que conheci, com a mais-valia de ser minha, a minha avó, quando nós caíamos em alguma asneira e tentávamos as esfarrapadas desculpas que a imaginação, ou a falta dela, ditavam ou ainda, quando as pequenas mentiras não saíam bem, tentava compor um ar severo, desmentido por uns olhos claros infinitamente doces, e dizia, “não sejam troca-tintas”.
Não me lembro se alguma vez lhe perguntei se sabia a origem da expressão, mas hoje lembrei-me, da avó Leonor e dos troca-tintas.
Há pouco bati com os olhos numa declaração do Dr. Luís Filipe Menezes, ex-líder do PSD e presidente da Câmara de Gaia, que considera a fusão de municípios, que tem vindo a entrar de mansinho na agenda mas que agora o memorando da famosa "troika" exige, algo de irrealista. Estranhamente, lê-se no Público, em 2003 o Dr. Menezes defendia a fusão de Porto e Gaia “para criar a maior cidade do país”. O mesmo Dr. Menezes, em 2011 assumiu a intenção de fundir as 24 freguesias da cidade de Gaia em “sete ou oito”, o que poderá corresponder a uma “poupança de 12 milhões de euros por mandato".
Como é evidente ninguém estranhará os discursos do Dr. Menezes, é típico dos troca-tintas. A reforma da organização administrativa do país que data do século XIX é uma necessidade óbvia há décadas. Só a incompetência, a necessidade de alimentar os aparelhos partidários com lugares na administração autárquica e nas empresas municipais tem impedido a imprescindível reforma. Percebe-se que o Dr. Menezes, agora que a mudança se deverá fazer, “troika oblige”, se manifeste contra. Aliás, esta sua posição não é exclusiva do PSD, muitos responsáveis autárquicos de diferentes origens partidárias têm vindo a manifestar reservas ou mesmo oposição às mudanças. Compreende-se, o lugarzinho pode estar em risco.
Tudo isto acontece, como sempre, porque os troca-tintas se orientam pelos seus interesses partidários e corporativos funcionando tacticamente. Estes comportamentos, a contradição, discurso de cata-vento, mostra a arquitectura ética em que assenta a prática política em Portugal.
Gostava de estar enganado, mas estamos entregues aos troca-tintas, como diria a Avó Leonor.

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