segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

A INTOXICAÇÃO ESCOLAR E A INTOXICAÇÃO POLÍTICA

Foi hoje apresentado com a presença do Primeiro-ministro o Relatório da OCDE sobre as mudanças no 1º ciclo no período 2005-2008. O Relatório realça três pontos fundamentais, melhoria nas instalações escolares, o enriquecimento dos conteúdos curriculares e, alerta para o efeito negativo das actividades de extensão curricular terem tornado o dia dos alunos excessivamente longo.
É inquestionável a necessidade de reordenamento da rede e da melhoria de instalações, o que foi feito, não sendo perfeito, nunca é, foi importante. É também importante a modernização e reorganização dos conteúdos curriculares e aqui começa o problema. Este esforço não pode ser à custa da sua extensão, deve assentar na sua reorganização. O ME lidou com esta questão, conjugada com o enorme problema social das famílias com a guarda dos miúdos no tempo escolar aumentando de forma inaceitável o tempo de permanência dos miúdos em actividades na escola, aspecto que o Relatório realça negativamente. No entanto, este trabalho não aprecia, ainda não há tempo nem intenção, o impacto altamente negativo desta overdose proporcionada aos miúdos, no 5º ano pode chegar às 55 horas semanais de permanência na escola. O Primeiro-ministro, com a habitual habilidade política sublinha o relatório para a defesa da excelência do trabalho realizado, esquecendo o “pequeno” pormenor do lado menos positivo. Não faltará muito tempo para se perceberem os efeitos negativos da intoxicação, que em muitos casos, se está a causar nos miúdos.
Para ilustrar esta situação, que aqui tenho referido muitas vezes, volto à carta que o meu amigo Manel, na altura com seis anos, me pediu para escrever. Escrita há cerca de dois, permanece estranhamente actual.

Olá, sou o Manel, tenho seis anos e ando no 1º ano numa escola nova. Não sei ainda escrever muito bem e pedi ajuda para dizer isto. Quando andava no Jardim-de-infância que se chamava O Paraíso da Criança, a educadora Rita e a outra ai… a Joana diziam que esta escola ia ser boa e ia aprender muita coisa, até a ler e a fazer contas e problemas. Também disseram que podia brincar à mesma mas eu não acreditei porque o meu pai disse que umas pessoas que escrevem no jornal dizem que não se pode brincar na escola. Tem que se trabalhar a sério e se calhar ainda mais que os grandes porque os jornais também dizem que eles, os grandes, não têm ai…isso, produtividade. Mas vim para a escola e até estava animado. Havia uns meninos e umas meninas que eu já conhecia. Outras não, mas são fixes. A professora Maria também é fixe. Às vezes zanga-se e grita. É melhor porque a gente assim a ouve. Umas vezes fala com as outras professoras e ficam zangadas com uma senhora que se chama Ministra. Dizem que essa senhora é que devia estar a ensinar a gente. Não sei bem porquê mas eu não quero outra professora. Gosto da minha. Ela também gosta de mim. Ela disse-me e eu acredito. O que eu não gosto muito é da escola ser tão comprida. Muito comprida. Só para saberem vou dizer como é a segunda-feira.
Levanto-me às sete e meia e a minha mãe primeiro larga o meu irmão no Jardim-de-infância e depois deixa-me na escola quase às nove. O meu amigo João já está à minha espera porque ele chega às 8 aos Tempos Livres e o dia da gente é assim:
Das 9 às 9 e 45 temos Matemática. Fazemos umas fichas do livro e a professora explica coisas. Às vezes não percebo e ela diz que já vem mas os outros também não percebem e temos que esperar. Não se pode falar mas a gente fala e é quando a professora grita.
Das 9 e 45 às 10 e 30 é a mesma coisa mas com mais barulho.
Das 10 e 30 às 11 temos um intervalo para brincarmos à bola e às lutas como aquela da televisão.
Das 11 às 12 temos Língua Portuguesa. É o que eu gosto mais e já quase sei ler mas também temos barulho. Eu não me importo com isso porque quero aprender a escrever histórias e a ler livros. O meu avô não sabe ler e fica triste quando diz que não sabe. E ele fica contente quando leio coisas que já sei. Eu também fico.
Depois de almoçar no refeitório da escola com os alunos todos e com mais barulho ainda, vamos ter Estudo do Meio das 13 e 15 às 14. A Professora disse que a gente ia estudar o que estava à nossa volta mas ainda não saímos da escola. Se calhar temos que estudar primeiro para depois ir ao Meio.
Das 14 às 15 e 15 temos Expressões. Também é giro. O que eu gosto mais é de pintar mas a Professora diz que eu nunca escolho bem as cores e os desenhos ficam feios. Mas eu gosto deles e a Rita que é minha amiga, também.
Às 15 e 30 e até às 16 e 15 temos Educação Física. Também gosto mas fico muito cansado de correr e jogar e fico transpirado.
Às 16 e 30 vamos para Inglês. A professora está sempre aborrecida, diz que não percebe miúdos pequenos. Diz que não estamos calados e quietos a fazer as fichas como uns alunos que ela tem noutra escola e que já andam no 12º ano. O inglês é giro mas só aprendi os números e as cores. Não sei falar inglês e ainda fico mais cansado.
Das 17 e 15 às 18 temos Música. O professor é engraçado bué, tem um piercing e o cabelo atado. Toca um violino e anda numa escola chamada Conservatório e só estuda música. Ele gosta. Mas acho que não gosta muito de estar com a gente. Diz que precisa de ganhar dinheiro e que lhe pagam pouco e que a gente não tem jeito para a música. Eu gostava de experimentar o violino mas a gente cá na escola só tem pífaros.
O meu pai vem buscar-me às 18 e 30 e vou para casa e quando não tenho trabalhos de casa aproveito para brincar um bocadinho com o meu irmão, antes de tomar banho e jantar. Às vezes digo que estou cansado mas a minha mãe diz que é para eu aprender como é a vida dos grandes. Eu acho que eles têm uma vida grande porque são grandes e eu… EU SOU PEQUENO. AINDA NÃO PERCEBERAM?

2 comentários:

Anónimo disse...

Os miúdos já não brincam na rua, não jogam à bola com duas pedras da calçada a fazer de baliza, não fazem canudos com tubos de plástico.

Abraço
A.C.

Anónimo disse...

Como é que é possível os miúdos brincarem seja ao que for se eles não têm tempo para brincar...
Trabalham mais horas que um adulto durante o dia e ainda trazem trabalhos de casa para fazer à noite. Graças a Deus que já não sou nenhuma miúda... mas sou mãe, e revolta-me ver que os meus filhos não têm o tempo que eu outrora tive e não vão ter as boas recordações das brincadeiras de infância que eu ainda tenho...
Um abraço
Juja