O Público de ontem dedica um
espaço significativo ao Regime Legal da Inclusão Escolar, proposta legislativa
que substituirá o DL 3/2008 como quadro legal para a resposta educativa à diversidade
entre os alunos e que se encontra em discussão pública. Fui solicitado a dar
uma pequena colaboração na peça que dada a natureza do trabalho surje com
alguma dispersão.
Apesar da limitação deste espaço
aproveito a circunstância para deixar algumas notas telegráficas sobre a
proposta reafirmando o desejo de que a sua discussão seja ela própria
inclusiva, isto é, envolva toda a comunidade educativa e não fundamentalmente,
como é mais habitual, os docentes, técnicos e pais mais ligados ao universo de
crianças, adolescentes e jovens com necessidades especiais. Este cenário é,
aliás, uma das dificuldades para o desenvolvimento mais sólido e partilhado dos
princípios e práticas de educação inclusiva.
Assim, em forma de
pontos, sem hierarquização e não sendo exaustivo, alguns aspectos globais.
.Em comparação com o 3/2008 a proposta
parece bem mais actual do ponto de vista conceptual e inscrita nas orientações
e vidência mais divulgadas em diferentes sistemas educativas que sustentem uma
visão de educação para todos e capaz de acomodar a diversidade dos alunos.
. Neste sentido parece positivo a
defesa de uma abordagem multinível.
. Registo o reforço da ideia de
diversidade dos alunos e não apenas do universo dos “alunos com necessidades
educativas especiais”.
. Parece-me importante o
desaparecimento do “conceito” de elegibilidade, “o pecado original” do 3/2008 e
que sustentava o recurso à CIF. A questão nunca foi a CIF em si mesma, mas sim querer
estabelecer em educação algo de impossível e indefensável, “a elegibilidade”,
quando a própria CIF é uma ferramenta de classificação e não de avaliação educativa.
. Minimiza a “categorização”.
Definir a intervenção através da categorização é sempre arriscado na medida em
que crianças da mesma “categoria” serão sempre diferentes e exigem uma
avaliação adequada e competente. Reforçar este entendimento e mais ajustado que
entender que definida a “categoria” de problemas já “saberemos” qual a resposta
necessária.
. Reforço de princípios de
equidade, participação, pertença e diferenciação. Parece presente a ideia de
minimizar o acantonamento de alunos em espaços físicos ou curriculares “categorizados”.
A definição dos “Centros de apoio à aprendizagem” (a que voltaremos) não
elimina a possibilidade de ter respostas educativas ou tempos de trabalho fora
da sala de aula quando necessários, por vezes são, dadas as características dos
alunos e da avaliação de necessidades. O quadro actual até permitia algo de
extraordinário do ponto de vista conceptual “a inclusão ao contrário”, bem como
experiências que de inclusão têm nada apesar de também acomodar boas práticas,
não esqueço.
No entanto, esta apreciação
global positiva do ponto de vista conceptual e de orientações definidas não
invalida, antes pelo contrário, a identificação de alguns aspectos que suscitam
dúvidas.
. Pensando em termos de
operacionalização na realidade que temos coloca-se de imediato a questão dos
recursos, docentes e técnicos e auxiliares. Não existem em número adequado e
quando existem nem sempre estão bem distribuídos.
. A questão da formação
relativamente a alguma redefinição da intervenção designadamente no que
respeita à avaliação, o aspecto mais crítico para intervir correctamente em
educação.
. A “cultura” existente em
algumas escolas no que respeita às actuais “unidades” que temo ver replicada
mesmo com o modelo agora em discussão.
. Está omisso um aspecto central,
a ausência da referência a dispositivos de regulação, a inspecção não tem este
papel). Neste aspecto o sistema educativo é verdadeiramente inclusivo, acomoda
a excelência e mediocridade, por vezes na mesma escola/agrupamento sem um
sobressalto.
. Como já referi a existência dos
“Centros de Apoio à Aprendizagem” parece-me uma boa hipótese de trabalho. No
entanto, qual o enquadramento, operacionalização, orientações, recursos e
regulação do seu funcionamento num quadro de verdadeira autonomia das escolas/agrupamentos?
. Que orientações para a
construção da rede de escolas de referência de forma a impedir as deslocações
diárias demasiado extensas de alguns alunos. Será também que todos os alunos
com um determinado tipo de problemáticas precisam de frequentar uma “escola de
referência? Não creio, volto a colocar o problema dos riscos da categorização.
. A abordagem multinível em
matéria de organização curricular refere, “acomodações curriculares“, “adaptações
curriculares não significativas” e “adaptações curriculares significativas”,
levanta do meu ponto de vista problemas significativos de operacionalização.
Sendo a organização e conteúdos curriculares uma questão crítica em matéria de
educação inclusiva é essencial que sejam claras as orientações e a regulação
dentro de um quadro de real autonomia. Conhecemos todos alunos que que
desempenham actividades e têm objectivos curriculares definidos que são eles
próprios um factor de debilização e exclusão.
. Dada a extensão apenas uma nota
final relativa aos Centros de Recursos para a Inclusão. A referência à função e
modelo de trabalho comas escolas/agrupamentos é claramente insuficiente. Mais
uma vez, existem excelentes experiências e outras de verdadeira exclusão, em
que ficamos, qual o modelo? Com que orientações e distribuição de
responsabilidades? Que regulação do que é realizado?
Existem, naturalmente, mais
alguns aspectos que merecerão discussão em textos futuros.
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