A produção de “Recomendações”
parece estar em alta na Assembleia da República. A “recomendação” tem um preço
político mais baixo que legislar e permite sempre aliviar consciências. No
entanto, registem-se as recomendações.
Foi hoje publicada em DR a “Resolução da Assembleia da República n.º 195/2017” que “Recomenda ao Governo que apoie os
estudantes com necessidades educativas especiais”. Muito bem. E agora?
De facto, a presença e as questões
levantadas pela frequência de ensino superior por alunos com necessidades
especiais não têm merecido a visibilidade e reflexão que justificam, a sua ”voz” é baixa.
A percentagem de alunos com
necessidades especiais relativamente aos alunos que frequentavam o ensino
superior em 2013/2014 era de 0.36% o que talvez ajude a perceber a falta de “voz”
para os seus problemas. No ano lectivo que terminou foram preenchidas apenas
14% das vagas do contingente especial para alunos com deficiência. Foi hoje
divulgado que pela primeira vez desde 2009 na primeira fase de candidatura ao
ensino superior a procura é maior que a oferta o que é bom, a qualificação é um
bem de primeira necessidade, para TODOS.
Se a estes dados acrescentarmos
que a taxa de desemprego na população com deficiência é estimada em 70-75% e
que o risco de pobreza é 25% superior à população sem deficiência e que
Portugal se orgulha de ter perto de 98% dos alunos com necessidades especiais a frequentar as
escolas de ensino regular no período de escolaridade obrigatória, temos um
cenário que nos deve merecer a maior atenção.
Como tantas vezes tenho dito,
aqui e nos espaços e contextos da lida profissional, a questão da presença dos
alunos começa no que é feito no ensino básico e secundário.
Por outro lado é fundamental que
com clareza, sem ambiguidades ou equívocos se entenda que após a escolaridade
obrigatória os jovens, TODOS os jovens, têm três vias disponíveis formação
profissional, formação escolar (ensino superior) ou mercado de trabalho
(trabalho na comunidade, incluindo a economia social).
A realidade mostra que os jovens
com necessidades especiais estão significativamente arredados destas vias e,
voltamos ao mesmo, em muitas circunstâncias ao abrigo de práticas e modelos de
resposta sob a capa da … inclusão. Muitos deles ficam entregados (não
integrados) às famílias, o que alguém já designou como Ministério Casa ou
encaminham-se para instituições onde, apesar de algumas experiências
interessantes, se recicla a exclusão. As pessoas com NEE de diferente natureza
depois dos 18 anos devem ser, estar, participar e pertencer aos contextos que
todas as outras pessoas com mais de 18 anos estão. As instituições ou voltar
para a família serão sempre um recurso e nunca uma via.
De novo, a inclusão assenta em
cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a
que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar
(envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Aprender
(tendo sempre por referência os currículos gerais) e Pertencer (sentir-se e ser
reconhecido como membro da comunidade). A estas cinco dimensões acrescem dois
princípios inalienáveis, autodeterminação e autonomia e independência.
As pessoas com NEE de diferente
natureza depois dos 18 anos devem ser, estar, participar e pertencer aos
contextos que todas as outras pessoas com mais de 18 anos estão.
É também claro que no âmbito do
ensino superior importa que se proceda a ajustamentos de natureza diversa,
atitudes, representações expectativas, oferta formativa, custos,
acessibilidades, e cursos e apoios ou, como disse, promover melhor articulação
com o ensino secundário
Dados de 2014 mostram que 94 de
291 instituições do ensino superior afirmaram a existência de serviços de apoio
para alunos com deficiência. Actualmente a esmagadora maioria dos
estabelecimentos, públicos e privados afirma disponibilizar esses serviços.
No entanto, para além de aspectos
mais evidentes como a acessibilidade, creio que o apoio pedagógico e a
utilização de dispositivos diferenciados nos materiais de apoio das unidades
curriculares, da diferenciação nos processos de avaliação ou o recurso às
tecnologias, não serão os grandes obstáculos. Tenho alguma experiência de
docência no superior com alunos com necessidades especiais e não sinto que
sejam estas as questões centrais.
Também não creio que a questão
central seja a existência obrigatória de “serviços de apoio” a alunos com
deficiência embora tal possa depender da dimensão da instituição. Do meu ponto
de vista, procurar responder da forma a adequada às necessidades de TODOS os
seus alunos é a essência do trabalho de qualquer instituição educativa e de
qualquer docente, com maior ou menor dificuldade.
A questão mais importante
decorrerá, creio, das barreiras psicológicas e das atitudes, pessoais e
institucionais, seja de professores, direcções de escola, da restante
comunidade, incluindo, naturalmente, professores do ensino básico e secundário
e de "educação especial" técnicos, os alunos com necessidades
especiais e famílias
Também é minha convicção de que
as preocupações com a frequência do ensino superior por parte de alunos com
necessidades especiais é fundamentalmente dirigida aos alunos que manterão as
capacidades suficientes para aceder com sucesso à oferta formativa tal como ela
existe. Estou a referir-me, evidentemente, aos alunos que não têm “diagnóstico”
de problemas de natureza cognitiva.
No entanto, como disse, esta
preocupação deveria ser mais alargada, estamos a falar de inclusão e agora, se
quiserem, da minha utopia.
Porque não podem frequentar
estabelecimentos de ensino superior? Sim, frequentar o ensino superior onde
estão jovens da sua idade e em que a oferta formativa se for repensada e a
experiência de vida proporcionada podem ser importantes.
Não, não é nenhuma utopia. Muitas
experiências noutras paragens mas também por cá mostram que não é utopia.
O primeiro passo é o mais
difícil, tantas vezes o tenho afirmado. É acreditar que eles são capazes e
entender que é assim que deve ser.
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