domingo, 4 de setembro de 2016

DA MUNICIPALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

O Alexandre Henriques, do blogue ComRegras, desenvolveu mais um interessante trabalho em que recebeu a colaboração de 131 directores de escola e agrupamentos e 131 presidentes de Conselhos Gerais num inquérito relativo ao movimento de municipalização da educação e sobre a competência na contratação de professores. Apesar dos dados completos apenas serem divulgados na terça-feira no ComRegras já são conhecidos alguns indicadores.
No que respeita à contratação de docentes, existem duas posições claras e equilibradas, 50,3% dos directores defende que deve ser realizada pelo ME e 49,7% entende que devem ser as escolas. Este cenário mostra o caminho que é preciso percorrer antes de um entendimento global sobre a questão.
Quanto ao processo de municipalização existe uma opinião predominante, 89,0% dos directores escolares não concorda com o actual processo de municipalização escolar e 86,3% dos presidentes de Conselhos Gerais também não.
O movimento de municipalização está em marcha, conforme constava do Programa do PS e do Governo. Ao que afirmou há algum tempo o presidente Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), Manuel Machado, as novas competências dos municípios na área da educação deverão abranger toda a escolaridade obrigatória e "só deverão entrar em funcionamento em 2018 e o financiamento deverá ser assegurado pela criação de um fundo destinado globalmente à educação".
Como é reconhecido a municipalização da educação é uma matéria controversa.
Para além desta posição de directores e presidentes de Conselhos Gerais recordo uma consulta promovida em 2015 pela Plataforma Sindical de Professores em que de cerca de 50 mil professores que participaram numa consulta sobre a "municipalização da Educação", à volta de 43 mil manifestaram-se contra o processo.
A posição dos professores e directores face ao modelo que tem sido anunciado de “municipalização” que possibilitará que serviços, actividades e/ou projectos, nomeadamente de administração escolar, papelaria, refeitório, biblioteca, bem como serviços de apoio educativo, incluindo psicologia ou desporto escolar, possam ser subcontratados a operadores privados.
O Conselho de Escolas e as associações de directores bem como os professores temem a diminuição da autonomia das escolas apesar da retórica da tutela.
Seria desejável uma avaliação séria e externa das experiências em desenvolvimento.
Por outro lado, insisto na necessidade de se considerarem com atenção os resultados de experiências de "municipalização" realizadas noutros países cujos resultados estão longe de ser convincentes. A Suécia, por exemplo, está assistir-se justamente a um movimento de "recentralização" considerando os resultados, maus, obtidos com a experiência de municipalização.
Por outro lado, o que se vai passando no sistema educativo português no que respeita ao envolvimento das autarquias nas escolas e agrupamentos, designadamente em matérias como as direcções escolares, os Conselhos gerais ou a colocação de funcionários e docentes (nas AECs, por exemplo) dá para ilustrar variadíssimos exemplos de caciquismo, tentativas de controlo político, amiguismo face a interesses locais, etc. O controlo das escolas é uma enorme tentação. Podemos ainda recordar as práticas de muitas autarquias na contratação de pessoal, valorizando as fidelidades ajustadas e a gestão dos interesses do poder.
Assim sendo, talvez seja mesmo recomendável alguma prudência embora, confesse, não acredite pois não se trata de imprudência, trata-se de uma visão, de uma agenda.
Ainda nesta matéria e dados os recursos económicos que se anunciam através das verbas comunitárias para além dos dinheiros públicos, parece clara a intenção política de aumentar o "outsourcing", a intervenção de entidades e estruturas privadas que já existem nas escolas, muitas vezes com resultados pouco positivos, caso de apoios educativos a alunos com necessidades educativas especiais e do recurso a empresas de prestação de serviços, (de novo o exemplo das AECs).
Está expressa nos Projectos de contrato em funcionamento a intenção de contratar a privados a prestação destes serviços nas escolas, incluindo no universo da inclusão, um modelo ineficaz pois a intervenção de qualidade e adequada dos técnicos, designadamente de educação ou psicólogos, depende, evidentemente, da sua pertença às equipas das escolas e não é compatível com a prestação de serviços por técnicos de fora em regime de "consulta".
Um modelo deste tipo, estruturas e entidades privadas a intervir em escolas públicas, só é garantidamente bom para as entidades a contratar, não, muito provavelmente, para alunos, professores e escolas. Temo que “municipalização” possa ser um incremento e apoio a um nicho de mercado.
Finalmente, uma referência ao equívoco habitual entre autonomia das escolas e municipalização. De acordo com o modelo em desenvolvimento, esperemos para ver mais claramente o que o ME proporá, e conforme os directores têm referido recorrentemente a autonomia da escola não sai reforçada, antes pelo contrário, passa para as autarquias por delegação de competências do ME. O imprescindível reforço da autonomia das escolas e agrupamentos não depende da municipalização como muitas vezes se pretende fazer crer.
Mais uma vez, confundir autonomia das escolas com municipalização é criar um equívoco perigoso e, frequentemente, não passa de uma cortina de fumo para mascarar os caminhos dos negócios da educação.

Sem comentários: