Confesso que quando vi este
título no Público, “Quando professores e alunos aprendem a comunicar, as coisas
mudam na sala de aula”, fiquei algures entre o curioso e o perplexo.
A leitura da notícia deixou-me
ainda mais, nem sei como dizer, talvez “enduvidado”, isto é, cheio de dúvidas.
Uma empresa especialista na
formação de executivos, designadamente na área da comunicação, desenvolveu um
programa de formação que envolveu professores e alunos de duas escolas de
Lisboa sobre comunicação na sala de aula. A coisa correu muito bem, os
professores já comunicam, os alunos já comunicam, tudo agora corre bem melhor e
parece que o ME está interessado na ideia. Aqui passei a um estado talvez de
inquietação.
Eu sei que está muito calor,
estamos a sair das férias e ainda sem grandes rotinas, é Domingo, mas algumas
notas.
Uma primeira referência para
dizer logo de início que existem professores, e alunos naturalmente, que, como
qualquer outra pessoa, poderão ser menos eficientes na comunicação, seja lá
isso o que for. Todos passámos por experiências que ilustram isto.
No entanto, parece importante sublinhar
que o trabalho em sala de aula assenta na comunicação entre professores e alunos,
que a generalidade dos professores têm competências de comunicação, que a generalidade
dos alunos têm competências de comunicação e que os eventuais problemas de
comunicação em sala de aula, não decorrem, na sua esmagadora maioria, da falta
de competência de alunos e professores na área da comunicação. Talvez eu esteja enganado pois a directora da empresa em Portugal, uma ex-jornalista, afirma “Todos falam, mas poucos comunicam. É o que temos constatado nas empresas e agora também nas salas de aulas”. Como se sabem, são contextos próximos e com as mesmas variáveis envolvidas.
Antes de continuar deixem contar
uma história. Há algum tempo em conversas com miúdos do 2º e 3º ciclo
discutia-se o que era essa coisa de ser um bom professor.
A maioria dos miúdos envolvia-se
activamente e a continuidade das referências levou à identificação de uma
resposta que se poderia sintetizar na ideia de que "bom professor é o que
fala com a gente e explica bem".
Este entendimento lembrou-me,
cito-o aqui frequentemente, o Mestre João dos Santos quando afirmava que alguém
tinha sido seu professor "porque foi seu amigo".
De facto, o sucesso dos processos
de ensinar e aprender assenta em dois eixos fundamentais, a qualidade do
ensinar e a relação entre quem ensina e quem aprende. Do meu ponto de vista, a
grande maioria dos professores estará equipada sobre o ensinar.
A grande questão é que a nossa
escola, de uma forma geral, não facilita a relação, ou seja, a comunicação.
Esta dificuldade decorre, fundamentalmente da extensão dos conteúdos
curriculares das diferentes disciplinas e do número excessivo de disciplinas,
designadamente no 3º ciclo. Os professores, muitos deles, sentem-se
"escravos" do programa que tem de ser dado e do pouco tempo
disponível para a construção da relação. Existem disciplinas com um tempo
semanal durante o qual é obviamente muito difícil construir qualquer relação
com os alunos.
Muitas vezes digo que os
professores "falam" para o programa, para o explicar, e os alunos
"falam" para o programa para o aprender. Não falam entre si sendo
que, além disso, existe um grupo significativo de alunos que, por diversas
razões como dificuldades ou desmotivação, não conseguem "falar" com o
programa. Para estes, os professores vêem-se obrigados a falar par controlar os
seus (maus) comportamentos.
Acresce a esta questão o número
de alunos por turma que os estudos identificam como uma variável que influencia
significativamente a comunicação, qualidade e conteúdos, entre
Por estas razões tantas vezes
tenho escrito sobre mudanças que tornassem mais fácil podermos ouvir os miúdos
dizer "a gente tem bons professores porque explicam bem e falam com a
gente".
Esta ideia não tem nada de
romântico nem de utópico, assenta em algo de muito simples, a educação
constrói-se com a relação que se alimenta com a comunicação. Sempre.
Uma nota final para referir que
acho lindamente que uma empresa com experiência de formação de executivos venha
também formar o pessoal da escola. Porque não? São só mais uns a querer formar
professores e … toda a ajuda é bem-vinda. Mas Senhores do ME, cautela com as
intoxicações.
Sem comentários:
Enviar um comentário