E pronto. Lá voltamos à velha questão
da retenção escolar, do “chumbo”. No âmbito do Projecto aQueduto, uma pareceria
entre o CNE e a Fundação Manuel Francisco dos Santos é hoje conhecido mais um
estudo, “Números, letras ou tubos de ensaio?”. Entre outros aspectos, a partir dos dados do PISA de 2012 foi
analisado o impacto da retenção nas aprendizagens considerando alunos de sete
países.
Em síntese, na generalidade dos
países os alunos repetentes a frequentar o 9º apresentam piores resultados que
os seus colegas que nunca chumbaram sendo particularmente evidente nos alunos portugueses. Estes apresentam uma taxa
de 34% de retenção e, por exemplo, a Finlândia tem a 4% da Finlândia.
O estudo conclui que a retenção
"não parece contribuir" para que os alunos melhorem as suas
aprendizagens.
A questão da retenção escolar em
Portugal é objecto de muita discussão, diferenças de entendimentos e práticas e
de alguns equívocos.
Dada a importância desta matéria e apesar das inúmeras vezes que aqui a tenho abordado, de novo algumas notas.
Como exemplo, recordo um trabalho
de há meses na imprensa em que se evidenciava que com o mesmo quadro legal em matéria
de avaliação escolar se verifica grande latitude no que respeita à transição ou
retenção dos alunos em anos não terminais de ciclo no ensino básico. Existem
escolas em que os alunos “passam” de ano com sete negativas o que noutras
escolas não se verifica.
Sempre que se reflecte sobre
estas questões insisto que a questão essencial me parece ser o efeito da
retenção, a questão hoje em análise, e
menos os critérios da retenção.
Recordo que no Relatório
“Low-Performing Students - Why They FallBehind and How To Help Them Succeed”
divulgado pela OCDE no início deste ano se evidencia que o “chumbo”, a
retenção, é para os alunos portugueses o principal factor de risco para os
resultados na avaliação posterior, dito de outra maneira, os alunos chumbam …
mas não melhoram. O estudo hoje divulgado sugere isso mesmo, mais uma vez.
O peso da retenção no nosso
sistema escolar parece assentar na errada convicção de que a repetição só por
si conduz ao sucesso e alimenta o que a OCDE já classificou de "cultura da
retenção".
Confesso sempre alguma surpresa e
dificuldade em compreender quando ao discutir-se os efeitos pouco positivos da
retenção, cerca de 150 000 alunos por ano, algumas vozes, mesmo dentro do
universo da educação, clamam que se está a promover o "facilitismo"
ou a defender que "então passam sem saber". A leitura das caixas de comentários às referências ao estudo de hoje na imprensa online é elucidativa e merecia ser analisada.
Como me parece evidente não é
dada disto. Como exemplo, a Noruega tem uma taxa de retenção próxima do 0% e
não consta que os alunos noruegueses passem sem saber, são, aliás, dos alunos
com melhores resultados nos estudos comparativos internacionais.
A questão é saber se o chumbo transforma
o insucesso em sucesso. Não transforma, repetir só por repetir não produz
sucesso, aliás gera mais insucesso conforme os estudos mostram. Muitos estudos
internacionais também mostram que os alunos que começam a chumbar, tendem a
continuar a chumbar, ou seja, a simples repetição do ano, não é para muitos
alunos, suficiente para os devolver ao sucesso.
Nesta conformidade e do meu ponto
de vista, a questão central não é o chumba, não chumba, e quais os critérios ou
o número de exames, mas sim que tipo de apoios, que medidas e recursos devem
estar disponíveis para alunos, professores e famílias desde o início da
percepção de dificuldades com o objectivo de evitar a última e genericamente
ineficaz medida do chumbo. É necessário diversificar percursos de formação com
diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional.
Importa ainda que as políticas educativas sejam promotoras de condições de sucesso
para alunos e professores.
O aumento do número de alunos por
turma no Ensino Básico e no Secundário, a forma como foram definidas as metas
curriculares, a cultura de competição e centrada exclusivamente em resultados,
os cortes no número de docentes que poderiam desenvolver dispositivos de apoio,
são apenas alguns exemplos do que não deve ser feito se, efectivamente, se
quiser promover qualidade e sucesso.
Como é evidente este tipo de
discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos,
com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma
tentação a que nem sempre se resiste.
Assim sendo, o essencial é
promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos
adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz
medida do chumbo. É fundamental não esquecer que o insucesso continua a atingir
fundamentalmente os alunos oriundos de famílias com pior condição económica e
social pelo que inibe o objectivo da mobilidade social, replicando o velho
"tal pai, tal filho". A associação entre o insucesso e a pobreza em Portugal é, aliás, a mais forte entre os países europeus. O estudo hoje
conhecido mostra que em Portugal os bons alunos são os que mais trabalham em
casa, TPCs e explicações, o que, evidentemente, não é alheio ao nível de
escolaridade dos pais e ao estatuto económico.
É necessário também diversificar
percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com
formação profissional mas não em idades precoces criando percursos
irreversíveis de "segunda" para os "sem jeito para a
escola" e "preguiçosos".
A qualidade promove-se, é certo e
deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim,
naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a
definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio
a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas
educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos
adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento das escolas, com a
definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.
É o que acontece, genericamente,
nos países com mais baixas taxas de retenção escolar.
É o que não tem acontecido em
Portugal.
Ponto.
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