segunda-feira, 26 de setembro de 2016

DE TANTO CHUMBAR UM DIA APRENDES. OU NÃO

E pronto. Lá voltamos à velha questão da retenção escolar, do “chumbo”. No âmbito do Projecto aQueduto, uma pareceria entre o CNE e a Fundação Manuel Francisco dos Santos é hoje conhecido mais um estudo, “Números, letras ou tubos de ensaio?”. Entre outros aspectos, a partir dos dados do PISA de 2012 foi analisado o impacto da retenção nas aprendizagens considerando alunos de sete países.
Em síntese, na generalidade dos países os alunos repetentes a frequentar o 9º apresentam piores resultados que os seus colegas que nunca chumbaram sendo particularmente evidente nos alunos portugueses. Estes apresentam uma taxa de 34% de retenção e, por exemplo, a Finlândia tem a 4% da Finlândia.
O estudo conclui que a retenção "não parece contribuir" para que os alunos melhorem as suas aprendizagens.
A questão da retenção escolar em Portugal é objecto de muita discussão, diferenças de entendimentos e práticas e de alguns equívocos.
Dada a importância desta matéria e apesar das inúmeras vezes que aqui a tenho abordado, de novo algumas notas.
Como exemplo, recordo um trabalho de há meses na imprensa em que se evidenciava que com o mesmo quadro legal em matéria de avaliação escolar se verifica grande latitude no que respeita à transição ou retenção dos alunos em anos não terminais de ciclo no ensino básico. Existem escolas em que os alunos “passam” de ano com sete negativas o que noutras escolas não se verifica.
Sempre que se reflecte sobre estas questões insisto que a questão essencial me parece ser o efeito da retenção, a questão hoje em análise,  e menos os critérios da retenção.
Recordo que no Relatório “Low-Performing Students - Why They FallBehind and How To Help Them Succeed” divulgado pela OCDE no início deste ano se evidencia que o “chumbo”, a retenção, é para os alunos portugueses o principal factor de risco para os resultados na avaliação posterior, dito de outra maneira, os alunos chumbam … mas não melhoram. O estudo hoje divulgado sugere isso mesmo, mais uma vez.
O peso da retenção no nosso sistema escolar parece assentar na errada convicção de que a repetição só por si conduz ao sucesso e alimenta o que a OCDE já classificou de "cultura da retenção".
Confesso sempre alguma surpresa e dificuldade em compreender quando ao discutir-se os efeitos pouco positivos da retenção, cerca de 150 000 alunos por ano, algumas vozes, mesmo dentro do universo da educação, clamam que se está a promover o "facilitismo" ou a defender que "então passam sem saber". A leitura das caixas de comentários às referências ao estudo de hoje na imprensa online é elucidativa e merecia ser analisada. 
Como me parece evidente não é dada disto. Como exemplo, a Noruega tem uma taxa de retenção próxima do 0% e não consta que os alunos noruegueses passem sem saber, são, aliás, dos alunos com melhores resultados nos estudos comparativos internacionais.
A questão é saber se o chumbo transforma o insucesso em sucesso. Não transforma, repetir só por repetir não produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme os estudos mostram. Muitos estudos internacionais também mostram que os alunos que começam a chumbar, tendem a continuar a chumbar, ou seja, a simples repetição do ano, não é para muitos alunos, suficiente para os devolver ao sucesso.
Nesta conformidade e do meu ponto de vista, a questão central não é o chumba, não chumba, e quais os critérios ou o número de exames, mas sim que tipo de apoios, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias desde o início da percepção de dificuldades com o objectivo de evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É necessário diversificar percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional. Importa ainda que as políticas educativas sejam promotoras de condições de sucesso para alunos e professores.
O aumento do número de alunos por turma no Ensino Básico e no Secundário, a forma como foram definidas as metas curriculares, a cultura de competição e centrada exclusivamente em resultados, os cortes no número de docentes que poderiam desenvolver dispositivos de apoio, são apenas alguns exemplos do que não deve ser feito se, efectivamente, se quiser promover qualidade e sucesso.
Como é evidente este tipo de discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem sempre se resiste.
Assim sendo, o essencial é promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É fundamental não esquecer que o insucesso continua a atingir fundamentalmente os alunos oriundos de famílias com pior condição económica e social pelo que inibe o objectivo da mobilidade social, replicando o velho "tal pai, tal filho". A associação entre o insucesso e a pobreza em Portugal é, aliás, a mais forte entre os países europeus. O estudo hoje conhecido mostra que em Portugal os bons alunos são os que mais trabalham em casa, TPCs e explicações, o que, evidentemente, não é alheio ao nível de escolaridade dos pais e ao estatuto económico.
É necessário também diversificar percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional mas não em idades precoces criando percursos irreversíveis de "segunda" para os "sem jeito para a escola" e "preguiçosos".
A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.
É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar.
É o que não tem acontecido em Portugal.
Ponto.

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