O Estado não falhou, falhou toda
a comunidade.
Sem querer desculpar ou branquear
comportamentos ou responsabilidades institucionais ou pessoais, incluindo,
naturalmente, a responsabilidade do jovem pelos seus actos, creio que o nosso
quotidiano vive inquinado com sementes de mal-estar que, por um qualquer
gatilho ou circunstância, por vezes irrelevantes, se transformam em delinquência e violência
dirigida a quem quer que seja.
Vai sendo tempo de nos
interrogarmos sobre os tempos que vivemos, os valores que os informam, os
modelos de discursos e comportamentos que evidenciamos, dos anónimos às elites
e desde logo com as crianças, os atropelos à dignidade e direitos, a ausência
de projectos de futuro que nos permitam a esperança e substituam o vazio em que
muita gente, mais velha ou mais nova, vive.
Os Centros Educativos, as
instituições que recebem jovens envolvidos em situações de delinquência mais
grave sofrem de uma reconhecida sobrelotação e falta de recursos humanos com qualificação
pelo que dificilmente cumprem o seu papel fundamental na construção de
programas de educação e formação profissional.
Segundo dados da Direcção-Geral
de Reinserção e Serviços Prisionais, 24% dos jovens de alto risco de
envolvimento em comportamentos de delinquência e a quem foram aplicadas medidas
tutelares incluindo o internamento em Centros Educativos reincidiram nos
primeiros 12 meses e ao fim de 26 meses a taxa de reincidência sobe para 48.6%. É de recordar que segundo o Relatório de Segrurança Interna de 2014, a delinquência de jovens foi dos crimes cuja prevalência subiu nitidamente.
De acordo com um estudo divulgado
há meses, realizado no âmbito do Programa de Avaliação e Intervenção
Psicoterapêutica no Âmbito da Justiça Juvenil, promovido pela Direcção-Geral de
Reinserção e Serviços Prisionais e co-financiado pela Comissão Europeia,
revelou que a média etária dos rapazes dos centros é de 16,6 anos. Em geral,
acumulam mais de três anos de chumbos na escola, e, em 80% dos casos, são de
famílias cujo estatuto socioeconómico é baixo. É ainda relevante que mais de
90% dos que foram entrevistados têm pelo menos uma perturbação psiquiátrica, “o
que é um dado astronómico”, como classificou Daniel Rijo, professor da
Universidade de Coimbra, um dos autores do trabalho para a DGRSP. Nem todos têm
o acompanhamento que seria necessário, admitiu.
Sempre que estas matérias são
discutidas, os especialistas acentuam a importância da prevenção e da
integração comunitária como eixos centrais na resposta a este problema sério
das sociedades actuais pelo que a resposta recentemente criada, (mas ainda só
no papel) “casas de autonomização” pode constituir-se como um contributo se
dotada de recursos adequados.
As Comissões de Protecção de
Crianças e Jovens, em reestruturação, sentem-se incapazes de acompanhar o
volume de casos das respectivas comunidades, gerando situações, muitas
conhecidas, com fim grave de crianças que depois ficamos a saber que estavam “sinalizadas”
ou “referenciadas”, mas sem resposta.
Sabemos que prevenção e programas
comunitários e de integração têm custos, no entanto, importa ponderar entre o
que custa prevenir e cuidar e os custos posteriores do mal-estar e da
pré-delinquência ou da delinquência continuada e da insegurança.
Parece ser cada vez mais
consensual que mobilizar quase que exclusivamente dispositivos de punição,
designadamente a prisão, parece insuficiente para travar este problema e,
sobretudo, inflectir as trajectórias de marginalização de muitos dos envolvidos
mais novos em episódios de delinquência.
No entanto a discussão sobre
estas matérias é inquinada por discursos e posições frequentemente de natureza
demagógica e populista alimentados por narrativas sobre a insegurança e
delinquência percebida, alimentadora de teses securitárias.
Apesar de, repito, a punição e a
detenção constituírem um importante sinal de combate à sensação de impunidade
instalada, é minha forte convicção de que só punir e prender não basta.
É em todo este caldo de cultura
que nascem e se desenvolvem as sementes de mal-estar.
É urgente que nos questionemos e
questionemos as instituições, em nome dos nossos filhos e dos filhos dos nossos
filhos.
Recordo Brecht, "Do rio que
tudo arrasta diz-se que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o
comprimem".
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