O estado da meritocracia em Portugal
O Público de hoje
traz um trabalho interessante procurando responder a questões como “Portugal é uma meritocracia ou a república
da “cunha”, do nepotismo e do amiguismo? Consegue o emprego ou a promoção quem
é melhor ou quem tem amigos? Nas empresas, na administração pública, no ensino,
nas instituições ou nos partidos, são os mais competentes, talentosos e
trabalhadores que têm êxito? Ou esses são afastados?
Deixem-me recordar
um realizado na Universidade de Aveiro, divulgado em Fevereiro, que investigou
as nomeações, cerca de 11 000 em 15 anos, dos governos de diferentes cores
partidárias para a hierarquia da administração pública e concluiu, de forma
completamente inesperada, que o critério predominante é o cartão partidário,
com o objectivo de controlar as políticas públicas e pagar ou antecipar o
pagamento de favores, serviços e fidelidades.
A questão é que nas últimas décadas, temos vindo a assistir
à emergência de lideranças políticas que, salvo honrosas excepções, são de uma
mediocridade notável. Temos uma partidocracia instalada o que determina um jogo
de influências e uma gestão cuidada dos aparelhos partidários donde são, quase
que exclusivamente, recrutados os dirigentes da enorme máquina da administração
pública e instituições e entidades sob tutela do estado. Esta teia associa-se à
intervenção privada sobretudo nos domínios, e são muitos, em que existem
interesses em ligação com o estado, a banca e as obras públicas são apenas
exemplos. Aliás, os últimos tempos têm sido particularmente estimulantes nesta
matéria e já não forneçam dados para o estudo.
Este cenário é desde cedo preparado e alimentado através de
uma das formas mais eficazes de progressão social e profissional existente em
Portugal, a pertença a uma juventude partidária, sobretudo, naturalmente, nos
partidos do chamado arco do poder, Passos Coelho é apenas um exemplo. Há algum
tempo, também o Público fez um levantamento da rapaziada mais novinha, sem currículo
relevante, académico ou profissional que enxameia gabinetes ministeriais e os
números são curiosos. Como característica comum têm a pertença à
"sua" jota onde desempenharam cargos que os catapultam para
assessores ou deputados e são o início de uma bela e promissora carreira, numa
despudorada utilização da administração pública, central, local e empresarial
para a distribuição de alguns jobs para os promissores boys e girls. A
sociedade portuguesa está cheia de exemplos deste tipo de percursos nas suas
diferentes fases.
Um deles é a história do meu amigo Alpinista. Nasceu numa
terra pequena onde muita gente gostava de praticar a subida, na vida, é claro.
Uns conseguiam subir alguma coisa, outros nem tanto, mas tinham pena.
O Alpinista, foi um rapaz discreto sem de início revelar
algumas especiais capacidades ou dotes que o habilitassem ao sucesso, subir na
vida. No entanto, tinha alguma capacidade discursiva, era perspicaz e
assertivo, conseguia perceber sem grande dificuldade o caminho a seguir e
fazia-o de forma convicta.
Durante a adolescência e olhando para o que se passava
naquela terra, tudo o que era lugares importantes eram ocupados de acordo com o
aparelho partidário do partido que ocupasse o poder naquela altura e
verificando que outros lugares exigiriam um mérito a que ele não acederia
rapidamente, decidiu-se pela via partidária. Analisou a oferta e optou pelo
partido que lhe pareceu com maior probabilidade de ocupar o poder durante mais
tempo inscrevendo-se na juventude partidária. Diligentemente, o Alpinista
cumpria as tarefas que lhe eram cometidas e com a sua capacidade discursiva foi
subindo na hierarquia, tendo chegado a um patamar que lhe garantiu um lugar nas
listas de deputados em representação da juventude. Entretanto inscreveu-se numa
daquelas universidades em que a exigência em certos cursos, sobretudo para
figuras de algum relevo público, não é muito grande, mas que, para compensar,
as notas são mais altas e passou a Dr. Alpinista. O bom desempenho no aparelho
do partido e a fidelidade canina no Parlamento, levaram-no a uma irrelevante
Secretaria de Estado durante alguns mandatos. A sua acção, socialmente
insignificante, mas partidariamente relevante, valeu-lhe, à saída do Governo,
um lugar na administração de uma empresa de capitais públicos de uma área que
ignorava por completo.
Alguns anos depois, poucos naturalmente, o Alpinista
reformou-se, retirando-se para uma das propriedades que faziam parte do
património que entretanto tinha adquirido e dedicou-se à escrita.
O livro que produziu, autobiográfico, rapidamente se
transformou num enorme sucesso, tem por título, “O Manual do Alpinista” e
consta obrigatoriamente das bibliografias distribuídas nas Universidades de
Verão dos diversos partidos.
Dito isto tudo e apesar disto tudo, importa sublinhar que vale
a pena não esquecer que também há lugar para o mérito e qualificação em que vale sempre a pena investir.
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