O Público de hoje apresenta um impressionante trabalho sobre a pobreza. O trabalho assenta num conjunto de histórias pessoais que são testemunhos de tal maneira violentos e impressivos que se torna impossível não fazer eco desta questão. É também referida a já divulgada situação do aumento exponencial da procura de ajuda junto das instituições de solidariedade social. Também na semana que terminou o Eurostat estimou em 2,7 milhões o número de portugueses em risco de pobreza e exclusão.
Os pedidos de ajuda e as histórias de pobreza vão atingindo grupos cada vez mais alargados, jovens, sobretudo e mesmo pessoas com emprego que se vêm juntar ao número em crescimento da população desempregada de que releva o aumento significativo de casais com ambos os elementos desempregados.
Relativamente aos mais jovens sabemos que este grupo etário é o mais afectado pelo desemprego e começa a ser urgente uma atenção séria à degradação da qualidade do emprego, a causa próxima do risco de pobreza entre pessoas empregadas.
De facto, nos últimos tempos cresceram exponencialmente os casos do que se pode chamar de “pobreza envergonhada”, sobretudo devido a desemprego mas também devido à falta de qualidade do emprego, aumentos e perdas salariais. São pessoas que se julgavam a coberto deste tipo de riscos e que sentem um embaraço pessoal e social enorme para assumir as dificuldades porque passam.
Este cenário é absolutamente extraordinário. Para além das consequências óbvias das dificuldades ainda se torna necessário, como várias vezes aqui tenho referido, acautelar a dignidade das pessoas afectadas como as histórias do relatadas no Público dramaticamente sublinham. De facto, umas das consequências menos quantificável das dificuldades económicas, sobretudo do desemprego, em particular o de longa duração e de situações em que o tempo obriga a perder o subsídio, é o roubo da dignidade às pessoas envolvidas. Sabemos que se verifica oportunismo e fraude no acesso aos apoios sociais, mas a esmagadora maioria das pessoas sentem a sua dignidade ameaçada quando está em causa a sobrevivência a que só se acede pela “mão estendida” que envergonha, exactamente por uma questão de dignidade roubada.
A questão da pobreza é um terreno que se presta a discursos fáceis de natureza populista e ou demagógica, sem dúvida. Mas também não tenho dúvidas de que os problemas gravíssimos de pobreza que mais de dois milhões e meio de portugueses conhecem, exigem uma recentração de prioridades e políticas que não se vislumbra. Curiosamente, até da área política mais próxima do actual governo surgem críticas às opções que têm vindo a ser assumidas.
A envergonhada pobreza deveria envergonhar-nos a todos, a começar por quem lidera. A liderança que transforma é uma liderança com responsabilidade social e com sentido ético.
3 comentários:
Este fim de semana ouvi num seminário o professor Luiz Moutinho repetir uma ideia importantíssima: "a banca é responsável por autênticos roubos à dignidade das pessoas, assaltos ao senso comum e desigualdades sociais", à primeira vista, impossíveis de sanar...
Ora sabendo que o capitalismo instalado não muda da noite para o dia, o que será necessário acontecer para vermos mudanças?
Sinceramente, e peço desculpa pelo derrotismo, "a coisa já não tem volta a dar", já estamos no declínio, as classes sociais mais baixas estão a aumentar vertiginosamente, a riqueza dos 1% mais ricos do planeta (os que têm mais de 50% da riqueza mundial) nunca cresceu tão rápido (e nunca os vimos a barafustar tanto..), não chegando isso, o nosso cantinho à beira-mar foi o primeiro membro da UE em que os 20% mais ricos e os 20% mais pobres estiveram tão longe que ultrapassámos os US and A... Resumindo, infelizmente o lirismo e a retórica perderam a sua força, a hipocrisia e corrupção instalaram-se e enraizaram-se de forma a não serem afastados facilmente, conseguiram-no e inevitavelmente "they'll get what they've asked for..".
Talvez não ...
A semana passada saiu na contracapa d'A bola uma notícia que mostrava o SLB entre os 21 clubes de futebol com maiores receitas na Europa... Curioso é que em +110M€ apenas 8 vinham da televisão (menos de 10%) para o Benfica. Também se podia verificar que dos outros clubes nessa lista apenas os alemães tinham alguns clubes cujas receitas da TV tinham um peso nas suas receitas totais inferior aos 30% Claro está que o jornal não pode criticar "à boca aberta" o que está por detrás disso (uma pequenina empresa chamada Olivedesportos), mas é de assinalar o quão presente ainda está a ideia de "because i said so" (ou noutro qualquer momento, o sôr Oliveira a virar-se para os tipos do Estoril ou do Rio Ave "levas 200m€ por ano e já cantas de galo ó caramelo, senão chupas no dedo e só te transmitimos os jogos com os grandes"). O que isto nos diz é que vivemos num país em que a opressão económica é cada vez mais sufocante para o lado leve da balança, e tendo em conta os números não está assim tão longe um ponto de viragem. Podes acreditar... bem sei que as mentalidades demoram muito tempo a mudar, mas o argumento que tal leva 100 anos a acontecer caducou, quem "veste a camisola" são sempre non-decision makers, os outros vivem do lucro, e esses apenas estão a cavar o seu fosso...
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