segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

FAMÍLIAS FALIDAS, VIDAS FALIDAS

No Público de hoje pode ler-se que a DECO registou em Janeiro de 2012 um aumento de 91,2 % de pedidos de ajuda em casos de sobre endividamento das famílias, comparativamente a Janeiro de 2011. Se recuarmos a 2008, o aumento deste tipo de situações é de 250 %. É também conhecido o aumento exponencial de casos de falência de singulares, famílias. Estas situações devastadoras para milhares de agregados familiares, decorrem também, frequentemente, de cenários de sobre endividamento que as dificuldades actuais potenciaram, desemprego por exemplo, impedindo a regularização dos créditos. As causas fundamentais são desemprego, degradação das condições laborais e doença.
Este cenário é, creio e já o tenho afirmado com frequência, um dos mais preocupantes sinais dos tempos, quer no que respeita a valores, quer no que respeita a dificuldades económicas.
As famílias em dificuldade que recorrem à DECO evidenciam frequentemente uma taxa de esforço cerca dos 90%, ou seja, ao receber 1000 €, 900 estão destinados ao pagamento de créditos e em média têm que gerir 8,6 créditos, um assombro. Como é óbvio, trata-se duma situação insustentável e mesmo com taxas de esforço mais baixas basta uma pequena perturbação ou algo de imprevisto, desemprego, perda de regalias laborais ou doença, por exemplo, para que se rompa o equilíbrio e as famílias entrem em incumprimento, com as previsíveis e complicadas consequências. A DECO recomenda 40% como a taxa de esforço aceitável e prudente.
Parece-me claro que este cenário não decorre, como muitas vezes ouvimos, exclusivamente da situação de crise económica que atravessamos, embora ela na maioria das vezes seja o gatilho que a despoleta. Radica, do meu ponto de vista, nos modelos económicos e sistema de valores que nos envolvem.
Como já tenho referido no Atenta Inquietude, instalou-se a ideia de que "és o que tens". Bem podemos afirmar que cada um de nós não olha assim para a vida mas, na verdade, é difícil resistir à pressão para o consumo e para a ostentação de alguns bens ou estilos de vida que "atestem" que "somos" gente e gente como deve ser. É o crédito da casa, do carro, da mobília, das férias, do casamento do filho, do plasma, etc. etc. Tudo bens a que obrigatoriamente temos de aceder como prova de que somos gente, embora se verifique ainda o recurso ao crédito até para tratar questões de saúde.
Por outro lado, as instituições financeiras que concedem crédito estiveram durante demasiado tempo mais atentas aos seus próprios interesses que aos riscos das pessoas que a elas recorrem. Actualmente, revelam-se bastante mais selectivas e cautelosas devido à subida enorme do valor do crédito malparado e dos seus próprios custos de financiamento.
Este tipo de problemas é apenas mais um indicador de como se torna necessário repensar valores e modelos de organização e desenvolvimento. Eu sei que não é fácil e pode parecer ingénuo, mas se não falarmos e não nos inquietarmos com isto, então é que nada mudará. Nunca.
As dívidas nas famílias não podem ser uma regra, deveriam ser uma excepção. É que, como recentemente se afirmava, as dívidas dos países podem ser geridas mas as das famílias têm que ser pagas e a obrigatoriedade de pagamento gera, com frequência, situações dramáticas e devastadoras.

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