Um trabalho no Público sobre o
universo da educação em Moçambique e das dificuldades e constrangimentos com
que alunos e professores lutam pelo futuro desencadeou a emoção de uma viagem
ao passado.
Há já uns anos largos, meados de
90, a vida concedeu-me uma das várias bênçãos com que tem tido a generosidade
de me embalar, o conhecimento e o convívio com alguma proximidade e em várias
ocasiões com um dos enormes, o Mestre Malangatana que partiu em 2011. Desse milagre
que me aconteceu já aqui tenho partilhado algumas histórias.
O Mestre Malangatana tinha na
altura em fase de lançamento um Centro de múltiplas actividades a funcionar na
sua região natal, Matalana, a uns quilómetros de Maputo. Uma das iniciativas
que promoveu foi um programa de formação de professores a realizar no Centro
que se localizava numa zona bastante isolada e eu tive o convite mágico para colaborar abordando a organização
dos processos de ensino e de aprendizagem.
No primeiro dia, Malangatana perguntou-me se preferia trabalhar na sala um, na dois ou na três. Olhei à
volta e estranhei, mas na altura ainda não estava acostumado às falas do
Mestre. Ele referia-se a três cajueiros que ali estavam e cuja sombra eu podia
escolher para trabalhar. Por estas e por outras fui percebendo que, falando
como Malangatana, cabeçalmente não era fácil acompanhá-lo, tal como também não
era fácil acompanhá-lo barrigalmente.
Foram duas semanas absolutamente
inesquecíveis e que me fizeram ser mais gente. Aqueles professores trabalhavam
em escolas, a maioria apenas com as paredes e tinham, vários deles, grupos
de quarenta e cinquenta alunos.
Os alunos não tinham sempre lugar
para todos trabalharem sentados a uma mesa ou carteira. Iam trocando os lápis
para poderem escrever. Faziam quilómetros a pé para aceder à escola. Os livros
eram poucos e tinham que ser partilhados, utilizados, reutilizados e ...
reutilizados.
Tenho ideia que nenhum daqueles
professores faltou um dia ao curso para onde vários se deslocavam também a pé,
fazendo vários quilómetros. Perdão, lembro-me bem que uma professora me pediu
imensa desculpa por não poder vir à "aula" um sábado porque precisava
de ir vender carvão para custear a deslocação do filho no "chapa", o
autocarro, que o levava para Maputo onde estudava.
Ainda me comovo com o empenho e a
motivação com que aquela gente estava o dia inteiro durante duas semanas
sentada num banco de pau debaixo do cajueiro, acho que era o número um, a
trabalhar e a discutir animadamente o trabalho que faziam, o trabalho que
queriam fazer, o trabalho que podiam fazer para ajudar a crescer as dezenas de
miúdos que tinham todos os dias nas suas salas de aula. E a mim que tive o
privilégio de estar com eles.
Oxalá a gente de hoje em
Moçambique tenha o futuro que merece.
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