quarta-feira, 25 de julho de 2018

NÃO PRECISAMOS DE SUPERPAIS ... NEM DE SUPERFILHOS


No DN encontra-se um trabalho interessante sobre a parentalidade e as inquietações sentidas por alguns pais. Nos tempos actuais o exercício da educação familiar e a sua conciliação com carreiras profissionais, a pressão para a excelência e desempenho de pais e filhos nas respectivas tarefas cria em algumas famílias um quadro de desequilíbrio multifacetado que começa a ganhar a designação de “burnout” parental.
Na verdade, independentemente das designações, percebemos que em muitas famílias e por razões diversas falta alguma serenidade o que, naturalmente, se reflecte quer em adultos, quer em crianças e adolescentes.
Precisamos de pais confiantes, seguros, com tempo para o serem, com diálogo com outros pais e com apoios para as dificuldades que surgem e são naturais, os miúdos não vêm com “manual de instruções” e “times they are a-changing”, também nas famílias.
Precisamos de crianças que cresçam rodeados pela combinação certa de tempo, afecto, regras e limites que as ajudem a um desenvolvimento saudável e autónomo. Não precisam de ser excelentes a tudo nem de cumprir uma agenda intoxicante de actividades fantásticas.
Deixem-me insistir em algumas notas que já por aqui tenho escrito e usado em muitas conversas com pais.
Algumas das razões para este cenário radicam em algo que tem vindo a verificar-se, alguns excessos nos discursos sobre a "instrução" e "educação" e as questões novas que as mudanças nos valores e nos estilos de vida colocam levam a que alguns pais sintam algumas dificuldades no seu trabalho de pais e a que muito técnicos tenham tentação de fornecer um "manual de instruções" que promoverá a educação perfeita da criança perfeita.
É verdade que contrariamente ao que acontece com todos os bens, até por imposição comunitária, as crianças continuam, felizmente, a ser providenciadas aos pais sem virem acompanhadas de um manual de instruções, em várias línguas, preferencialmente.
Provavelmente por isso, ultimamente tem-se verificado um aumento exponencial na publicação destes "manuais" ou de peças na imprensa com a mesma intenção, ensinar-nos o ofício de pais. São consideradas questões como lidar com birras, com os problemas dos adolescentes, com a escola e os seus problemas, como lidar com os filhos e com os amigos dos filhos, como comunicar com eles, como gerir os seus gostos e as suas crises, como agir nas férias, como ocupar os fins-de-semana, como dialogar em família, como perceber a “cabeça” dos mais novos, como definir regras e disciplina, que alimentação e estilos de vida, como ocupar os tempos livres, que actividades fazem melhor a quê, etc. etc. Todas estas matérias são escrutinadas e analisadas de modo a fornecer, crê-se, um manual de instruções.
A imprensa, em diferentes registos, acompanha a onda, em variadíssimas secções, colaborações e colunas de aconselhamento providenciam-nos receitas, dicas, sugestões exactamente com o mesmo objectivo mas em versão telegráfica. Dado que também colaboro regularmente com a comunicação social a minha preocupação aumenta, coloca-me dúvidas e tem motivado algumas recusas.
Este frenesim assenta, creio, na melhor das intenções, tornar-nos bons pais. Pela avalanche de ajuda parece que não estamos a conseguir e a experiência mostra-me que muitos pais se sentem assustados com alguns dos discursos que lhes são dirigidos, tanto quanto com algumas das dificuldades que em algumas circunstâncias sentem com os filhos em diferentes idades.
Existem para todos os gostos, para todas as idades e escritos sob as mais variadas perspectivas. Tenho lido muitos, uma parte acho interessantes e uma eventual ajuda para alguns pais e para algumas questões, outros, devo confessar, deixam-me alguma inquietação, não passam de um enunciado de "orientações prescritivas" longe das circunstâncias de vida em que muitas famílias se movem.
Para além das ajudas que os pais possam encontrar nestes "manuais de instruções" creio ser importante sublinhar que, felizmente para todos nós, a começar pelas crianças, os pais são, de uma forma geral, intuitivamente competentes, mais "asneira", menos "asneira", mais uma "festinha", menos um "ralhete" e a estrada cumpre-se sem grandes sobressaltos. Um discurso social excessivo em torno da "psicologização" ou induzindo a ideia de que só indo a uma "escola de pais" e lendo vários "manuais de instruções" poderemos ser bons pais, pode ser mais fonte de problemas que de ajuda.
Parece-me importante que os pais falem entre si sobre as suas experiências, sem medo de que os julguem maus pais, que na relação com os técnicos ligados à educação as conversas não incidam quase que exclusivamente sobre "se está bem ou mal na escola", mas que se abordem as questões educativas também no contexto familiar de forma aberta e serena. Os "manuais de instruções" não são a solução, são, muitos deles, apenas mais uma ajuda.
Pais atentos, pais confiantes, são pais que educam sem especiais problemas. Curiosamente, alguns "manuais" e alguns discursos "científicos" podem aumentar a insegurança e a ansiedade de alguns pais.
Começo a sentir que está fazer falta alguma tranquilidade e serenidade que devolvam aos pais a confiança em si mesmos e na sua capacidade para exercer bem o papel. Sei que por vezes não é fácil. Ser pai não é mobilizar de forma prescritiva um conjunto de “práticas” receitadas por diferentes especialistas. É melhor deixar que os pais falem e encontrem por si a forma de fazer. No fundo, a maioria saberá como, precisa apenas de se sentir confiante e tranquilo. Os que verdadeiramente necessitarão de ajuda serão bastante menos.
Não precisamos de “superpais” como também não precisamos de “superfilhos”.

1 comentário:

Alice disse...

Mas sem essa angústia, quantos "clientes" teriam terapeutas, psicólogos, animadores, conselheiros e advogados?

A vida dos adultos, hoje em dia, não é recomendável. Nem paraeles, nem para crianças e isso é que é verdadeiramente problemático.