No DN encontra-se um trabalho
interessante sobre a parentalidade e as inquietações sentidas por alguns pais.
Nos tempos actuais o exercício da educação familiar e a sua conciliação com
carreiras profissionais, a pressão para a excelência e desempenho de pais e
filhos nas respectivas tarefas cria em algumas famílias um quadro de
desequilíbrio multifacetado que começa a ganhar a designação de “burnout”
parental.
Na verdade, independentemente das
designações, percebemos que em muitas famílias e por razões diversas falta
alguma serenidade o que, naturalmente, se reflecte quer em adultos, quer em crianças e adolescentes.
Precisamos de pais confiantes,
seguros, com tempo para o serem, com diálogo com outros pais e com apoios para
as dificuldades que surgem e são naturais, os miúdos não vêm com “manual de
instruções” e “times they are a-changing”, também nas famílias.
Precisamos de crianças que
cresçam rodeados pela combinação certa de tempo, afecto, regras e limites que
as ajudem a um desenvolvimento saudável e autónomo. Não precisam de ser
excelentes a tudo nem de cumprir uma agenda intoxicante de actividades
fantásticas.
Deixem-me insistir em algumas
notas que já por aqui tenho escrito e usado em muitas conversas com pais.
Algumas das razões para este
cenário radicam em algo que tem vindo a verificar-se, alguns excessos nos
discursos sobre a "instrução" e "educação" e as questões
novas que as mudanças nos valores e nos estilos de vida colocam levam a que
alguns pais sintam algumas dificuldades no seu trabalho de pais e a que muito
técnicos tenham tentação de fornecer um "manual de instruções" que
promoverá a educação perfeita da criança perfeita.
É verdade que contrariamente ao
que acontece com todos os bens, até por imposição comunitária, as crianças
continuam, felizmente, a ser providenciadas aos pais sem virem acompanhadas de
um manual de instruções, em várias línguas, preferencialmente.
Provavelmente por isso,
ultimamente tem-se verificado um aumento exponencial na publicação destes
"manuais" ou de peças na imprensa com a mesma intenção, ensinar-nos o
ofício de pais. São consideradas questões como lidar com birras, com os
problemas dos adolescentes, com a escola e os seus problemas, como lidar com os
filhos e com os amigos dos filhos, como comunicar com eles, como gerir os seus
gostos e as suas crises, como agir nas férias, como ocupar os fins-de-semana,
como dialogar em família, como perceber a “cabeça” dos mais novos, como definir
regras e disciplina, que alimentação e estilos de vida, como ocupar os tempos
livres, que actividades fazem melhor a quê, etc. etc. Todas estas matérias são
escrutinadas e analisadas de modo a fornecer, crê-se, um manual de instruções.
A imprensa, em diferentes
registos, acompanha a onda, em variadíssimas secções, colaborações e colunas de
aconselhamento providenciam-nos receitas, dicas, sugestões exactamente com o
mesmo objectivo mas em versão telegráfica. Dado que também colaboro
regularmente com a comunicação social a minha preocupação aumenta, coloca-me
dúvidas e tem motivado algumas recusas.
Este frenesim assenta, creio, na
melhor das intenções, tornar-nos bons pais. Pela avalanche de ajuda parece que
não estamos a conseguir e a experiência mostra-me que muitos pais se sentem
assustados com alguns dos discursos que lhes são dirigidos, tanto quanto com
algumas das dificuldades que em algumas circunstâncias sentem com os filhos em
diferentes idades.
Existem para todos os gostos,
para todas as idades e escritos sob as mais variadas perspectivas. Tenho lido
muitos, uma parte acho interessantes e uma eventual ajuda para alguns pais e
para algumas questões, outros, devo confessar, deixam-me alguma inquietação,
não passam de um enunciado de "orientações prescritivas" longe das
circunstâncias de vida em que muitas famílias se movem.
Para além das ajudas que os pais
possam encontrar nestes "manuais de instruções" creio ser importante
sublinhar que, felizmente para todos nós, a começar pelas crianças, os pais
são, de uma forma geral, intuitivamente competentes, mais "asneira",
menos "asneira", mais uma "festinha", menos um
"ralhete" e a estrada cumpre-se sem grandes sobressaltos. Um discurso
social excessivo em torno da "psicologização" ou induzindo a ideia de
que só indo a uma "escola de pais" e lendo vários "manuais de
instruções" poderemos ser bons pais, pode ser mais fonte de problemas que
de ajuda.
Parece-me importante que os pais
falem entre si sobre as suas experiências, sem medo de que os julguem maus
pais, que na relação com os técnicos ligados à educação as conversas não
incidam quase que exclusivamente sobre "se está bem ou mal na
escola", mas que se abordem as questões educativas também no contexto
familiar de forma aberta e serena. Os "manuais de instruções" não são
a solução, são, muitos deles, apenas mais uma ajuda.
Pais atentos, pais confiantes,
são pais que educam sem especiais problemas. Curiosamente, alguns
"manuais" e alguns discursos "científicos" podem aumentar a
insegurança e a ansiedade de alguns pais.
Começo a sentir que está fazer
falta alguma tranquilidade e serenidade que devolvam aos pais a confiança em si
mesmos e na sua capacidade para exercer bem o papel. Sei que por vezes não é
fácil. Ser pai não é mobilizar de forma prescritiva um conjunto de “práticas”
receitadas por diferentes especialistas. É melhor deixar que os pais falem e
encontrem por si a forma de fazer. No fundo, a maioria saberá como, precisa
apenas de se sentir confiante e tranquilo. Os que verdadeiramente necessitarão
de ajuda serão bastante menos.
Não precisamos de “superpais”
como também não precisamos de “superfilhos”.
1 comentário:
Mas sem essa angústia, quantos "clientes" teriam terapeutas, psicólogos, animadores, conselheiros e advogados?
A vida dos adultos, hoje em dia, não é recomendável. Nem paraeles, nem para crianças e isso é que é verdadeiramente problemático.
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