O Governo desencadeia a partir de
hoje uma campanha no sentido de minimizar o consumo de álcool por adolescentes
e jovens. Durante 2017 o INEM respondeu a 1270 casos de menores em coma
alcoólico e, nestas como noutras matérias, o número de casos reportados é
significativamente inferior à prevalência real.
A questão dos consumos de
diferentes substâncias é uma preocupação sempre presente nas comunidades.
No que respeita ao álcool que
”beneficia” de uma representação social mais amigável sobre o seu consumo mais
amigável sabe-se que este tem vindo a crescer alterando-se também os padrões de
consumo, beber na rua (é bastante mais barato) e o consumo excessivo e rápido
(binge drinking) são duas características presentes. Segundo alguns
especialistas, a embriaguez parece deixar de ser uma consequência do consumo
excessivo para passar a ser um objectivo em si mesmo. Este padrão tem vindo a
ser sublinhado por diferentes estudos sobre os hábitos dos adolescentes e
jovens portugueses, cerca de 80% dos jovens com 15 anos consomem álcool segundo
um trabalho da Unidade de Alcoologia de Coimbra do IDT e em 2007 56% dos jovens
com 16 anos inquiridos referiram este tipo de consumos enquanto em 2003 o
indicador era de 25%.
No mesmo sentido um estudo de
2015 do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências
mostrou que 31% dos alunos com 13 anos já experimentaram álcool, especialmente
cervejas e misturas. Algumas notas.
Uma primeiro aspecto a considerar
é o facto de os adolescentes poderem facilmente comprar cerveja e outras
bebidas, as “litrosas” ou os shots, como lhes chamam, no comércio mais
habitual, lojas de conveniência ou pequenos estabelecimentos de bairro, a um
preço bem mais acessível que nos estabelecimentos que frequentam na noite e
recorrendo à “toma” simples ou com misturas ao longo da noite, comprida aliás.
A presente legislação restringe o comércio e estabelece multas bem mais pesadas
mas veremos o efeito prático pois em diferentes domínios a restrição devido à
idade nem sempre é respeitada.
O consumo em quantidade e em
grupos, sobretudo ao fim-de-semana, é muitas vezes entendido e sentido como o
factor de pertença ao grupo, potenciando a escalada do consumo, juntos bebemos
mais do que sós, como é óbvio e o estado que se atinge é sentido como um
"facilitador" relacional e como é reconhecido o controlo das idades
de quem compra seja ineficaz e facilmente ultrapassado.
Muitos adolescentes, ouvidos em
estudos nesta matéria, referem ainda a ausência de regulação dos pais sobre os
gastos, sobre os consumos ou sobre as horas de entrada em casa, que muitas
vezes tem que ser discreta e directa ao quarto devido ao “mau estado” do
protagonista. Ainda não há muito tempo se noticiava a detecção por parte da PSP
de algumas dezenas de adolescentes com menos de 16 anos identificados nas ruas
durante a madrugada em Lisboa que "passeiam" sem supervisão parental.
É preciso que a comunidade esteja
atenta a estes adolescentes que logo desde os 13 ou 14 anos “acedem” às
“litrosas” e aos shots e também aos seus pais que muitas vezes estão tão
perdidos quanto eles.
Apesar de se poder vir a legislar
no sentido de apenas aos 18 anos ser permitida a aquisição de qualquer tipo de
álcool, parecem-me imprescindíveis a adequada fiscalização e a criação de
programas destinados a pais e aos adolescentes que minimizem o risco do consumo
excessivo.
A proibição, como sempre, não
basta, restringir a publicidade só por si não adianta.
Como muitas vezes tenho afirmado,
existem áreas de problemas que afectam as comunidades em que os custos da
intervenção são claramente sustentados pelas consequências da não intervenção,
ou seja, não intervir ou intervir mal é sempre bastante mais caro que a intervenção
correcta em tempo oportuno.
A toxicodependência e o consumo
do álcool são exemplos dessas áreas.
Quadros de dependência não
tratados desenvolvem-se habitualmente, embora possam verificar-se excepções,
numa espiral de consumo que exigem cada vez mais meios e promove mais
dependência. Este trajecto potencia comportamentos de delinquência, alimenta o
tráfico, reflecte-se nas estruturas familiares e de vizinhança, inibe
desempenho profissional, promove exclusão e “guetização” para além de outros
efeitos graves na saúde, física e mental, ou nos comportamentos, veja-se a
notícia sobre o volume de acidentes em que as pessoas envolvidas acusam
consumos, diferentes consumos. Este cenário implica por sua vez custos sociais
altíssimos, persistentes e difíceis de contabilizar.
Os consumos, de diferentes
substâncias, por parte dos adolescentes e jovens podem relacionar-se com alguma
negligência paternal mas na maioria dos casos trata-se de pais que sabem o que
se passa, “apenas fingem” não perceber, desejando que o tempo “cure”, sentem-se
tremendamente assustados, sem saber muito bem o que fazer e como lidar com a
questão. De fora parece fácil produzir discursos sobre soluções, mas para os
pais que estão “por dentro” a situação é muitas vezes sentida como maior que eles,
justificando-se a criação de programas destinados a pais e aos adolescentes que
minimizem o risco do consumo excessivo.
Costumo dizer em muitas ocasiões
que se cuidar é caro, façam as contas aos resultados do descuidar.
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