domingo, 1 de julho de 2018

TEMPO DE FÉRIAS


Apesar de ainda decorrerem exames num contexto pouco amigável estamos a entrar em pleno no tempo de férias escolares. Como costumo dizer, na minha idade este tempo não é de férias, é de repouso activo mas estou a pensar nas férias dos miúdos.
Com as férias vem o habitual problema das famílias, onde deixá-los.
Esta questão é relativamente recente e apesar da tendência de generalização ainda afecta sobretudo as famílias de áreas mais urbanas com estilos e condições de vida que minimizam a disponibilidade de tempo ou de motivação para ocupar os mais novos.
Assim, é também nestas zonas que privilegiadamente tem vindo a emergir uma oferta de actividades diversificada e para diferentes bolsas envolvendo equipamentos e espaços sofisticadíssimos, com designações curiosas que, para além de ocupar as crianças, ainda se propõem contribuir para que os miúdos acedam a níveis extraordinários de desenvolvimento e competência nas mais variadas áreas, pois os miúdos de hoje têm de ser fantásticos e excelentes em tudo. Também autarquias e instituições sociais desenvolvem uma oferta que minimize assimetrias sociais.
Importa não esquecer que apesar de alguma evolução a menor oferta disponível para acolher crianças ou adolescentes com necessidades especiais é mais uma preocupação para as famílias envolvidas
Quando eu era gaiato, antes do desenvolvimento ter tapado as quintas da zona onde morava com prédios deixando como espaço livre o alcatrão, a oferta para os miúdos era basicamente constituída pelo mais acessível e barato dos equipamentos, a rua. Como os estilos de vida ainda tão tinham alimentado a insegurança, quando não havia escola, claro, estávamos na rua.
As actividades não eram muito sofisticadas nem fantásticas, não ficávamos assim muito excelentes, mas divertíamo-nos a sério, com calor, com frio, com chuva, mesmo à noite, nas férias. É verdade que alguns dos meus companheiros ainda foram “homens que nunca foram meninos” como lhes chamou Soeiro Pereira Gomes, desde muito cedo fizeram-se ao trabalho.
Mas ainda arranjávamos tempo para brincar, naquela época o tempo era mais barato e havia mais.
Nessa altura os miúdos ainda podiam apanhar chuva e mexer na terra, não conhecíamos as ameaçadoras bactérias, os nossos pais também ainda não excelentes e fantásticos.
Muitas das actividades eram, por assim dizer, sazonais, mais próprias de umas alturas do ano que de outras. Algumas delas, já delas aqui contei, dariam vontade de rir aos miúdos de hoje mas eram o máximo, a sério.
Andar horas de bicicleta ou de arco e gancheta em exibição ou competição, realizar intermináveis jogos de futebol, muda aos cinco acaba aos dez, com bolas de cautchu adquiridas através dos rebuçados, jogar hóquei em patins, sem patins, com uma bola de matraquilhos “desviada” no café e com talos de couve com a curva adequada a servir de stick, são alguns exemplos.
Fazer tiro ao arco com arcos feitos a partir das varetas de guarda-chuvas velhos, passar horas nas diversas variantes dos jogos com berlindes, exercitar a corrida com o jogo da rolha, do lenço à barra, ou do toca e foge, experimentar a estratégia no jogar às escondidas ou a perícia nas corridas de caricas, eram outras das muitas coisas que fazíamos nos nossos tempos livres.
Nesse tempo havia tempo livre, os miúdos hoje quase não têm. Mas são fantásticos e excelentes.
Às vezes não.

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