Através do blogue “Incluso” do João Adelino Santos, a quem agradeço o trabalho desenvolvido, tive acesso a um ofício da ANESPO – Associação Nacional de Escolas Profissionais dirigido ao Presidente da Comissão Directiva do Programa Operacional Capital Humano no âmbito do Portugal 2020.
O texto aborda a situação de alunos com necessidades educativas especiais, em particular, os que estão ao abrigo de uma coisa bizarra e ainda em vigor que se chama “Currículo Específico Individual”.
Do entendimento da ANESPO expresso na parte final do texto sobre o trabalho com alunos com necessidades transcrevo duas alíneas sublinhando o que me merece reflexão:
b. As Escolas Profissionais devem organizar os processos educativos e formativos numa lógica de integração dos alunos com necessidades especiais nas respetivas turmas tendo sempre em conta os centros de interesse dos alunos, os princípios da individualização da formação, a pedagogia de projeto e o respeito pelos diferentes ritmos de aprendizagem, sendo considerado normal que um aluno com deficiência, tal como tantos outros considerados “normais”, não completem os percursos formativos e sejam, parcialmente, certificados;
d. As Escolas Profissionais devem sinalizar os alunos portadores de deficiência e desenvolver as atividades formativas numa lógica de envolvimento social que propicie a aquisição de saberes e competências, mínimos, escolar e profissionalmente.
As notas seguintes não têm rigorosamente a ver com a competência e o trabalho das escolas profissionais, uma peça essencial na construção dos projectos de vida de tantos jovens, incluindo os que têm necessidades educativas especiais. A minha questão remete para as representações e expectativas presentes no texto de "entendimento" sobre os objectivos e o trabalho a desenvolver com estes alunos.
Como se sabe, está estudado de há muito o efeito que as representações e expectativas têm nos processos educativos.
Nesta perspectiva, considerar-se “normal” que os alunos como sem NEE não completem os “percursos formativos” não pode deixar de influenciar o trabalho desenvolvido, baixa as expectativas pelo que elas tendem a confirmar-se, é quase sempre assim. A questão é que se um percurso formativo está definido adequadamente para os seus destinatários, o “normal” é que todos o completem, o contrário é que a excepção que sabemos acontecer mas não pode ser a normalidade.
Na segunda alínea citada afirma-se o "entendimento" de que as actividades formativas devem providenciar a aquisição de saberes e competências “mínimos", quer escolares quer profissionais.
Peço desculpa mas voltamos ao mesmo, o objectivo de qualquer processo educativo é providenciar saberes e competências MÁXIMOS para cada aluno ou para cada grupo, considerando, evidentemente, as suas características. O objectivo é sempre atingir oa melhores resultados possível, não cumprir "mínimos".
Mais uma vez, se tivermos como expectativa, representação ou objectivo o cumprimento de “serviços mínimos” educativos é claro que o resultado final é mais baixo independentemente das características dos alunos.
Neste contexto, não se zanguem comigo, e como já escrevi muitas vezes, podemos correr o risco de desenvolver um trabalho inconsequente, assente em avaliações pouco consistentes, descontextualizado, mobilizando pouca participação e envolvimento nos contextos em que os alunos se inserem. Dito de outra maneira, o trabalho desenvolvido com estes alunos pode ser ele próprio um factor de debilização, ou seja, alimenta a sua incapacidade, numa reformulação do princípio de Shirky.
Tal facto, não decorre da incompetência genérica dos técnicos e professores, julgo que na sua maioria serão empenhados e competentes, mas da sua própria representação sobre este grupo de alunos, isto é, não acreditam que eles realizem ou aprendam. Desta representação resultam situações e contextos de aprendizagem, tarefas e materiais de aprendizagem, expectativas baixas traduzidas na definição de objectivos pouco relevantes, na participação reduzida em actividades comuns que, obviamente, não conseguem potenciar mudanças significativas o que acaba por fechar o círculo, eles não são, de facto, capazes. É um fenómeno de há muito estudado.
O que acontece, sem ser por magia ou mistério, é que quando nós acreditamos que os alunos são capazes, eles não se "normalizam" evidentemente, mas são, na verdade, mais capazes, vão mais longe do que admitimos. Não esqueço a gravidade de algumas situações mas, ainda assim, do meu ponto de vista, o princípio é o mesmo, se acreditarmos que eles progridem e são capazes de ... , o que fazemos, provoca progresso, o progresso possível.
E isto envolve professores do ensino regular, de educação especial, ensino profissional, técnicos, pais, lideranças políticas e toda a restante comunidade.
Toda esta matéria, a educação de crianças ou jovens com necessidades especiais, assenta, do meu ponto de vista em quatro ideias estruturantes de todo o trabalho, estar, participar, pertencer e aprender, operacionalizadas numa perspectiva de diferenciação e não de normalização.
É neste sentido que devem ser canalizados os esforços e os recursos que devem, obrigatoriamente, existir.
2 comentários:
Também posso confirmar que (infelizmente) o pensamento dos "serviços mínimos" está presente em algumas das escolas de educação especial e CAO´s espalhadas pelo país.... numa espécie de discurso "desde que a higiene e alimentação estejam asseguradas, está tudo bem".
Lamentavelmente, a situação é essa
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