terça-feira, 31 de outubro de 2017

PODE A ESCOLA CONTINUAR A ENGORDAR?

A propósito do Dia Mundial da Poupança, sim também existe, a Associação de Professores de Ciências Económico Sociais defende que seja criada “uma área disciplinar que promova, formalmente e de modo universal, a educação económica e financeira dos alunos” do ensino básico e secundário.
O ME afirma que no âmbito da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento criada no âmbito do projecto de flexibilidade curricular que está em desenvolvimento em 236 escolas serão abordados estes conteúdos. A Associação proponente defende esta perspectiva do ME “não resolve o problema, uma vez que, para além de ser um tempo escasso, será sempre disputado por outras vertentes da educação para o desenvolvimento pessoal e social e não permitirá a construção de uma autêntica literacia financeira”. Algumas notas.
Não está, evidentemente, em discussão a importância de que a educação de crianças e jovens envolva as diversas questões presentes na vida das comunidades, aqui exemplificadas pela literacia financeira, antes pelo contrário.
No entanto e por diversas ocasiões tenho manifestado a minha reserva face ao entendimento de que tudo o que de alguma forma possa envolver os mais novos e a sua formação deva ser ensinado/trabalhado na escola. Esta visão obesa da escola não funciona, nem tudo pode ou deve ser transformado em disciplinas, conteúdos escolares, projectos, … para além de que a escola tem um conjunto de funções incontornáveis que tornam finita a sua capacidade de responder.
Por outro lado, foi-se instalando em Portugal, não só em Portugal mas também em Portugal, a ideia de uma educação, de uma escola, fundamentalmente centrada em competências instrumentais, em saberes “úteis”, "essenciais" como lhes chamava Nuno Crato, destinada sobretudo a formar “técnicos” e não “cidadãos” qualificados. Os currículos são progressivamente aliviados de conteúdos que não sejam “práticos”, promotores de “produtividade”, “domínio de técnicas” como seja toda a área da formação cívica, da educação para a saúde, dos valores, das expressões e conteúdos artísticos, etc.
A escola deve formar empresários, poucos, e técnicos qualificados e de formação estreita, muitos. Estas ideias traduziram-se, traduzem-se apesar de algumas mudanças indiciadas e afirmadas, nos conteúdos curriculares, nos modelos de avaliação, nas concepções do que deve ser o trabalho dos professores, na organização do sistema educativo, selectivo, prescritivo e incapaz de acomodar diferenças entre os alunos, etc.
Entretanto, com a mudança no ME e a definição do Perfil do Aluno para o Séc. XXI reabriu-se a mudanças em matéria de currículo, agora em modo flexibilidade mas ainda em período experimental e para 235 escolas, públicas e privadas.
Sabemos que, independentemente das opções e visões ideológicas, uma das questões que no universo a educação estarão sempre em aberto é a que envolve os conteúdos e organização curricular. De facto, a velocidade de produção e acesso ao conhecimento e ao desenvolvimento, as mudanças nos sistemas e no quadro de valores das comunidades determinam a regular reflexão e ajustamento sobre o que a escola deve ensinar e trabalhar, sobretudo durante a escolaridade obrigatória.
Por outro lado, o tempo da escola e a competência da escola são finitos, isto é, a escola não tem tempo nem pode ou deve ensinar tudo. Lembram-se certamente das discussões sobre se matérias como educação sexual, educação cívica, literacia financeira (sim, não é a primeira vez que se fala disto), educação para a saúde, para citar apenas alguns exemplos, deverão, ou não, constituir-se como "disciplinas", conteúdos ou mesmo se devem integrar os currículos escolares.
Em princípio, independentemente dos conteúdos poderem ser mais ou menos pertinentes, vejo sempre com alguma reserva as propostas de introdução de mais uma disciplina, mais conteúdos, mais um manual, mais umas orientações, mais um programa de formação de professores, como se a escola, o currículo escolar, os conteúdos, as suas competências, pudessem continuar a engordar indefinidamente. E não se trata de um problema de recursos ainda que seja de considerar.
Como é evidente, pode dizer-se sempre que muitas destas questões podem integrar o trabalho escolar considerando até que os alunos passam um tempo imenso, diria excessivo, nas escolas. Aliás, tal acontece em muitas escolas e agrupamentos.
A questão central, do meu ponto de vista, é que as competências da escola, os conteúdos que nela são trabalhados, integrando ou não formalmente os currículos, não podem mesmo aumentar continuamente. Urge uma reflexão serena, participada e com tempo sobre o ajustamento dos conteúdos, a sua integração e organização, a forma como podem acomodar a diversidade dos alunos e a necessidade de diferenciação dos professores, a formação global dos alunos e não exclusivamente a promoção de competências instrumentais, etc.
Somar conteúdos e competências à escola sem ajustamento dos conteúdos e organização existentes, pode promover problemas e não soluções, de tanto que lhe exigem corre risco de não providenciar o que lhe compete.
Na verdade, nem tudo o pode ser interessante saber terá de caber numa disciplina da escola ou num conteúdo escolar formal e nem tudo o que se pode saber se aprende na escola. A dificuldade é que os alunos estão muito tempo na escola e a tentação é óbvia, a escola que faça.

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