É impossível ler sem um
sobressalto. A imprensa de ontem noticiava que o Tribunal de Felgueiras condenou
dois homens a penas suspensas num caso de violência doméstica. O marido e um
outro individuo com quem a vítima teve uma relação extraconjugal que
interrompeu juntaram-se e sequestraram a mulher agredindo-a usando uma “moca”
com pregos.
O Ministério Público recorreu e o
Tribunal da Relação do Porto manteve a pena suspensa com base num acórdão que é
uma peça antológica e inspiradora do que não deve ser a justiça.
Nesse acórdão a justificar a
manutenção da pena suspensa lê-se que "O
adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem.
Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na
Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte".
Assim sendo, “O adultério da mulher é uma conduta que a
sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as
primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a
violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher.”
Confesso que é difícil entender,
trata-se uma decisão criminosa.
Antes de mais para referir que o
Tribunal da Relação do Porto parece constituir um estudo de caso em matéria de
decisões desta natureza,
No Público na peça sobre o caso
em cima lê-se que também neste Tribunal num caso de violência doméstica, as agressões à mulher
foram desvalorizadas por ela “trair o marido”. Diz o acórdão que “Uma mulher adúltera é uma pessoa
dissimulada, falsa, hipócrita, desleal, que mente, engana, finge. Enfim, carece
de probidade moral”, pelo que “Não surpreende que recorra ao embuste, à
farsa, à mentira para esconder a sua deslealdade e isso pode passar pela
imputação ao marido ou ao companheiro de maus tratos”. Notável.
Deixem-me ainda recuperar mais
dois da Relação do Porto.
Um funcionário da REFER praticou
fraudes que prejudicaram a empresa beneficiando o empresário condenado no
Processo face Oculta. Foi condenado em Tribunal por ter sido comprovado o seu
comportamento lesivo da empresa que, aliás, era recorrente.
A REFER numa estranha quanto
injusta decisão face a tão competente e leal funcionário instaurou-lhe um
processo que acabou com o despedimento por justa causa.
O íntegro empregado sentiu-se
injustiçado foi para Tribunal e ... ganhou, não havia justa causa para
despedimento. A REFER recorreu e o Tribunal da Relação do Porto, tinha de ser,
voltou a considerar a não existência de justa causa condenando a REFER numa
indemnização de 80 000 € ao seu ex-diligente e honesto funcionário.
Um outro caso de notória
gravidade e que na altura foi divulgado
Em 2011 o Tribunal da Relação do
Porto 2011 absolveu um psiquiatra que, comprovadamente, sublinho
comprovadamente, violou uma paciente que acompanhava num quadro de depressão. A
justificação para a absolvição foi que o psiquiatra criminoso violou a paciente
mas não usou de violência. Notável e criminosa esta decisão.
Por onde anda o juízo de alguns
juízes?
Muitas vezes tenho referido no
Atenta Inquietude que uma das dimensões fundamentais para uma cidadania de
qualidade é a confiança no sistema de justiça. É imprescindível que cada um de
nós sinta confiança na administração equitativa, justa e célere da justiça.
Assim sendo, a forma como é percebida a justiça em Portugal, forte com os
fracos, fraca com os fortes, lenta, mergulhada em conflitualidade com origem
nos interesses corporativos e nos equilíbrios da partidocracia vigente
constitui uma das maiores fragilidades da nossa vida colectiva.
Como podemos lidar com esta forma
de administrar a justiça?
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