quinta-feira, 26 de outubro de 2017

NÃO É ASSIM QUE SE DESENHA UMA FLOR

Da retórica que as mais diversas fontes vão produzindo sobre educação constam inevitavelmente referências a inovação e a criatividade. A “inovação” do currículo tem de passar, dizem, pela promoção da criatividade dos alunos, dos professores, das escolas.
No entanto, esta coisa da criatividade, seja lá o que for, nem sempre é acomodada, uma palavra também em voga.
Às vezes e a este propósito lembro-me mais uma vez do Almada.

“Pede-se a uma criança. Desenha uma flor! Dá-se-lhe papel e lápis. A criança vai sentar-se no outro canto da sala onde não há mais ninguém.
Passado algum tempo o papel está cheio de linhas. Umas numa direcção, outras noutras; umas mais carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas. A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase que não resistiu.
Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápis já era demais.
Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas: Uma flor!
As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma flor!
Contudo a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares, mas, são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor!”
José de Almada Negreiros
Obras Completas, 4, Poesia

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