Conforme é conhecido, a Comissão
Europeia no seu recente relatório de vigilância sobre o período pós-troika avisa, “exige”, que o aumento de professores que se tem vindo a registar “de forma consistente”
desde 2015 “tem de contribuir efectivamente para melhorar os resultados da
educação. Em texto anterior falei sobre a abusiva, apressada e ligeira relação
directa entre “aumento” de professores e “melhoria de resultados” e coloquei a
dúvida sobre o “aumento consistente de professores. Algumas notas sobre o
número de docentes tendo já em conta a vinculação extraordinária deste ano e a
prevista no OGE para 2018.
Em primeiro lugar importa
sublinhar que com o argumento pouco sustentável do abaixamento do número de alunos,
os dados mostram a inexistência de proporcionalidade, muitos milhares de
professores foram empurrados para fora do sistema.
De facto, de acordo com o
Relatório “Perfil do Docente” divulgado em 2016 pela Direcção-Geral de
Estatísticas da Educação e Ciência o número de alunos no básico e secundário
baixou 6.2%, isto significa menos 92 423 entre 2004 e 2015. Quanto aos
professores, no mesmo período abandonaram 42165, 25% dos que estavam em 2004/2005.
A saída verificou-se em todos os patamares de ensino mas com maior significado
no 3º ciclo e no secundário (40% dos que saíram) quando nos últimos anos a
população escolar no secundário até subiu devido ao alargamento da escolaridade
obrigatória. Considerando os grupos de docência as assimetrias foram
significativas
No ensino público registaram-se
98% dos abandonos, as escolas públicas tiveram quatro vezes mais saídas que os
estabelecimentos privados.
Dito de outra maneira temos menos
1 professor por cada 2.1 alunos a menos. Aliás, considerando a redução de
postos de trabalho na administração entre 21011 e 2013 o MEC contribuiu com 68%
dos empregos extintos.
O menor número de alunos não
serve pois de justificação para a enorme sangria que deixou uma classe
desvalorizada e envelhecida o que aliás aponta para a necessidade a prazo de
alguns milhares de professores devido ao envelhecimento brutal da classe que
motivará a saída.
Também deve recordar-se que face
a um outro argumento que servia de base às políticas que sofremos, em Portugal
nos últimos anos, o rácio entre professores e alunos estava na média europeia,
importa considerar variáveis como os modelos de organização dos sistemas,
gcargas horárias, funções, etc. influenciam esta leitura.
Na verdade, a maioria dos
professores que saíram foi empurrada para fora por um conjunto de dimensões
ligadas às políticas educativas dos últimos anos, com José Sócrates e a
devastação provocada por Passos Coelho a partir de 2011 com o fundamentalismo
austeritário, cerca de 75% do total de professores
que saíram fizeram-no neste período.
A justificação mil vezes repetida
esperando que se tornasse verdade assentava na diminuição do número de alunos.
Como já tenho referido, parece claro que a questão do número de professores
necessário ao funcionamento do sistema é uma matéria bastante complexa que, por
isso mesmo, exige serenidade, seriedade, rigor e competência na sua análise e
gestão, tudo o que tem faltado nesta matéria.
Para além da questão da
demografia escolar que, aliás, a tutela tem tratado de forma incompetente e
demagógica, importa não esquecer que existem muitos professores deslocados de
funções docentes, boa parte em funções técnicas e administrativas que em muitos
casos seriam dispensáveis pois fazem parte de estruturas do Ministério pesadas,
burocráticas e ineficazes.
Por outro lado, os modelos de
organização e funcionamento das escolas, com uma série infindável de estruturas
intermédias e com uma carga insuportável de burocratização, retiram muitas
horas docentes ao trabalho dos professores que estão nas escolas.
É neste quadro que deve ser
ponderada a interpretação do rácio entre o número de professores e o número de
alunos.
No entanto e do meu ponto de
vista, a saída dos professores, que nos venderam como estando “em excesso” de
professores no sistema deve ser também analisado à luz de medidas das políticas
educativas iniciadas ainda no tempo de José Sócrates e fortemente aprofundadas
por Passos Coelho. Vejamos alguns exemplos.
Em primeiro lugar, as alterações
no número de professores necessário decorre do aumento do número de alunos por
turma que, conjugado com a constituição de mega-agrupamentos e agrupamentos
ligada ao encerramento de milhares leva que em muitas escolas as turmas
funcionem com o número máximo de alunos permitido e, evidentemente, com as
implicações negativas que daí decorrem. Esperemos o efeito da anuciada e progressiva redução do número de alunos por turma
As mudanças curriculares com a
eliminação das áreas não curriculares que, carecendo de alterações registe-se,
também produziram um desejado e significativo “corte” no número de professores, a
que acresceram outras alterações no mesmo sentido.
Por outro lado, verificámos uma
forte desvalorização salarial, o aumento da idade da reforma, o congelamento da
progressão na carreira variáveis que contribuíram seriamente para o desencanto
e partida de milhares de professores.
Acresce a tudo isto o clima e a
instabilidade vividas nas escolas, a pressão constante para resultados e
burocracia, a falta de apoios, etc.
Temos a tempestade perfeita. A
saída destes milhares de professores sairá, gostava de me enganar, muito mais
cara do que aquilo que o ME poupará na diminuição do número de docentes. Neste
sentido, os processos de vinculação extraordinária que, aliás também correspondem
a directivas de Bruxelas relativas à precariedade abusiva de muitos milhares de
docentes contratados durante anos para responder a “necessidades transitórias”
são um investimento mas também representam uma questão de justiça.
Conhecendo os territórios
educativos do nosso país, julgo que faria sentido que os recursos que já
estavam no sistema, pelo menos esses e incluindo os contratados com muitos anos
de experiência, fossem aproveitados em trabalho de parceria pedagógica, que se
permitisse a existência em escolas mais problemáticas de menos alunos por turma
ou ainda que se utilizassem em dispositivos de apoio a alunos em dificuldades.
Os estudos e as boas práticas
mostram que a presença de dois professores na sala de aula são um excelente
contributo para o sucesso na aprendizagem e para a minimização de problemas de
comportamento bem como se conhece o efeito do apoio precoce às dificuldades dos
alunos. Agora andam a promover-se medidas que sempre lembram a velha imagem da
manta.
Sendo justamente estes os dois
problemas que mais afectam os nossos alunos, talvez o investimento resultante
da presença de dois docentes ou de mais apoios aos alunos, compense os custos
posteriores com o insucesso, as medidas remediativas ou, no fim da linha, a
exclusão, com todas as consequências conhecidas.
É só fazer contas. As contas
certas, claro.
Sem comentários:
Enviar um comentário