O inferno voltou para nos assombrar.
Retornou com uma violência brutal e trágica que não acreditámos possível em tão
pouco tempo.
Não parece haver volta a dar. Todos
os anos se anunciam novas estruturas de resposta rápida e meios de combate,
designadamente meios aéreos mais sofisticados e somos informados de melhorias
nos dispositivos de prevenção e combate, no aumento de meios à disposição, na
racionalização da gestão dos recursos, etc. etc.
Entretanto, quando irrompem as
chamas surge também o habitual, a comunicação social, sobretudo a televisiva,
de forma frequentemente sem pudor, respeito e competência, a mostrar o
"terreno", o "cenário dantesco", a ouvir "moradores
que passaram uma noite em branco", a ouvir o "senhor comandante dos
bombeiros", a referir os "meios aéreos, dois Canadairs e um
Kamov", a ouvir os "responsáveis locais ou regionais da protecção civil",
a gravar despudoradamente imagens de dor, sofrimento e perda de gente anónima
que tendo quase nada, vê arder o quase tudo. Um filme dramático sempre visto e
sem surpresas.
Este ano acresce a tragédia da
morte numa tão grande dimensão que se torna difícil de acomodar.
É evidente que que as condições
atmosféricas têm sido particularmente desfavoráveis, mas a falta de prevenção,
a negligência e delinquência dão um contributo fortíssimo ao inferno que
sobressalta cada Verão.
Sem nenhuma espécie de
conhecimento destas matérias, para além do interesse e preocupação de um
cidadão minimamente atento e preocupado com os custos enormes destes cenários
de destruição, tenho alguma dificuldade, considerando a dimensão do nosso país,
em compreender a inevitabilidade destes cenários. Os espanhóis têm por uso
afirmar que os incêndios se combatem no inverno, nós combatemo-los no inferno.
Insisto. Trata-se de um destino
que não pode ser evitado? Trata-se de uma área de negócios, a fileira do fogo,
que, pelos muitos milhões que envolve, importa manter e fazer funcionar
sazonalmente? Trata-se "só" de incompetência na decisão política e
técnica em termos de resposta e prevenção? Trata-se da falência de modelos de
desenvolvimento facilitadores de desertificação e abandono, designadamente das
áreas rurais? Trata-se basicamente de negligência e, ou delinquência?
O poeta falava de um fogo que
arde sem se ver, é bonita a imagem. Mas quando um fogo arde e se vêem os seus
efeitos devastadores e dramáticos, quando rouba a vida a tantas pessoas, dói,
dói muito e não se perdoa. Não sabemos o quê nem a quem.
A dor é imensa.
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