domingo, 5 de outubro de 2014

O IMPOSSÍVEL COMPROMISSO

O Presidente da República voltou a uma das suas mais predilectas referências, o compromisso entre os partidos do chamado arco da governação, acrescentando uma preocupação com a insatisfação dos cidadãos com a qualidade da democracia.
Nada de novo e também nada que se possa esperar. Recordo uma afirmação anterior de Cavaco Silva sobre a mesma questão. “O consenso político não é aquele que talvez eu gostaria e que outros gostariam, mas a responsabilidade é totalmente dos partidos políticos”, afirmou em Junho de 2013.
É verdade Presidente. Contrariamente ao que a maioria das lideranças parece acreditar, incluindo o Senhor, a realidade não é a projecção dos nossos desejos, diariamente ouvimos discursos dizendo-nos, por exemplo, que estamos no bom caminho e boa parte dos portugueses não percebe face às inúmeras dificuldades que sentem.
E o Senhor sabe bem, sim não vale a pena dizer que não é político, que na cultura e na praxis política que temos, “compromisso” ou variantes como “consenso”, “pacto de regime”, “desígnio”, “grande projecto”, etc., fazem parte do núcleo duro da retórica política e constituem referências obviamente inconsequentes.
A partidocracia instalada leva a que, na generalidade das matérias, os interesses partidários se sobreponham aos interesses gerais, a conflitualidade que sendo importante e muitas vezes estimulante e promotora de mudança, é assente em corporações de interesses e clientelas que inibem a definição de rumos e de perspectivas que visem o interesse geral. O Presidente, o Primeiro-ministro, os parceiros sociais, as lideranças partidárias e sociais sabem-no bem, fazem parte do sistema, pelo que os seus discursos se inscrevem no próprio funcionamento do sistema e que conduz ao que temos, sendo que as alternativas prováveis não são particularmente animadoras.
Neste quadro torna-se, obviamente, impossível o estabelecimento formal do tal compromisso alargado.
O que a história a autoriza a considerar como plausível, é a definição de cenários de poder que,  com base numa "negociação" mais ou menos discreta não ameacem a alternância de governo pois, em substância, a questão é justamente o poder. As experiências governativas envolvendo "entendimentos" entre PS e PSD mostram isso mesmo, morrem, pois acabam por não "servir" a nenhum deles.
Assim sendo, os partidos, movimentos ou cidadãos que não têm voz nos corredores do poder, ficarão sempre de fora do entendimento ou do consenso, pelo que o poder mesmo que em alternância, é a democracia a funcionar, dirão, acaba por estar basicamente nas mesmas mãos, sendo que os que não "chegam" a estar representados no poder são a maioria.
Não vale a pena, pois, dar excessiva importância aos apelos a entendimentos e consensos alargados pois, obviamente, não servem os interesses imediatos da luta pelo poder e não passam de retórica gasta e, naturalmente, sem consequências.
As implicações de tudo isto na vida das pessoas ... bom, isso é uma outra história bastante mais preocupante e dramática.
Parece-me cada vez mais urgente a reflexão sobre os modelos de organização da actividade política, alimentadores da partidocracia instalada. Importa também promover a emergência de formas de participação cívica fora dos aparelhos partidários condição importante para a construção de sociedades modernas, abertas, participativas e preocupadas com a vida colectiva. Tal caminho criaria também uma pressão externa para a reforma dos discursos e praxis dos próprios partidos.
A “insatisfação”, a "desilusão" e "descrença" com a democracia, comprovada em várias estudos, parece-me na verdade algo de preocupante, instalando de mansinho um caldo de cultura favorável à emergência de derivas de natureza não democrática de contornos populistas e demagógicos, produtos altamente perigosos e inflamáveis.

1 comentário:

Anónimo disse...

Atónito com o discurso do Sr. Presidente da República, no dia 5 de Outubro de 2014, cujo titular foi Primeiro-Ministro cerca de 10 anos e outro tanto Presidente da República, recordo a saga sem fim dos Marajás neste país.

Recordo, por exemplo, a celebração de um aniversário da Escola Superior de Gestão de Santarém, integrada no Instituto Politécnico de Santarém, com um cruzeiro na barragem do Castelo do Bode, com almoço a bordo e transferes em autocarro ao cais de embarque, para docentes, funcionários e convidados, noticiada pelo jornal “O Mirante”, na sua edição de 18.12.2008, pág. 33, em artigo intitulado “Aniversário da Escola de Gestão celebrado em tom de discórdia”, e pelo Diário de Notícias, na sua edição de 19.12.2008, pág.13, em artigo intitulado “Um passeio à conta dos contribuintes”.

Despesas que não suscitaram um reparo por banda dos órgãos do Estado.

Para os que atribuem valor ao simbólico, a subsequente nomeação da Sr.ª Presidente do Instituto Politécnico, pelo Sr. Presidente da República, para a Comissão de Honra das Comemorações do 10 de Junho de 2009, na Cidade de Santarém, teve um significado político.

Ademais, a Sr.ª Presidente do Instituto Politécnico de Santarém, conforme noticiado, também desfrutou deste cruzeiro idílico na barragem do Castelo do Bode.

Enfim, a FOLGOZA.

Mas os Marajás são uma saga sem fim, neste país à beira plantado…

Ora vejam,

http://semanal.omirante.pt/index.asp?idEdicao=631&id=96675&idSeccao=11007&Action=noticia