domingo, 19 de outubro de 2014

SINALIZADAS, REFERENCIADAS, MAS A TRAGÉDIA ... ACONTECE

Intencionalmente, não escrevi estas notas logo que este drama foi notícia. Uma Menina de 13 anos morreu num incêndio na Amadora ao tentar salvar os irmãos mais novos que estavam à sua guarda durante a noite.
A Menina, a mais velha, de oito irmãos, não sobreviveu à tragédia que terá sido toda a sua vida e que, desta forma que não podia acontecer, terminou. Um elemento de uma Associação da zona afirmou à comunicação social que "A Menina e os irmãos andavam sempre cá. Pediam iogurtes, casacos e carinho". E carinho, sublinho eu.
Mais uma vez, como não é raro que a aconteça, esta família, estas crianças estavam "sinalizadas", "referenciadas" desde 2009, mas ... a tragédia aconteceu
De há muito e a propósito de várias questões, que afirmo que em Portugal, apesar de existirem vários dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e de existir legislação no mesmo sentido, sempre assente no incontornável “supremo interesse da criança, não existe o que me parece mais importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e jovens. Poderíamos citar a insuficiência e falta de formação de juízes que se verifica nos Tribunais de Família, as frequentemente incompreensíveis decisões ou demoras em casos de regulação do poder parental, etc.
Temos também em funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer um trabalho eficaz mas em difíceis circunstâncias, para além da falta de agilidade processual na articulação das múltiplas entidades envolvidas como também é frequente entre nós.
É verdade que existem situações que se desenvolvem, por vezes, de forma extremamente rápida e imprevisível, em ambos os casos parece existir nas mães alguma perturbação do foro da saúde mental o que torna tudo ainda mais difícil, mas também exige maior celeridade e atenção.
No entanto, boa parte das Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, tem muitos técnicos a tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as integram. Aliás, a CPCJ da Amadora é a que lida com maior número de casos de todo o universo das CPCJs.
Este cenário permite que ocorram situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que, sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Ouve-se então uma das expressões que me deixam mais incomodado, a(s) criança(s) estava(m) “sinalizada(s)” ou “referenciada(s)” o que foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver os problemas referenciados ou sinalizados.
Por isso, sendo importante registar a menor tolerância da comunidade aos maus tratos aos miúdos, também será importância que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas e surgimento de tragédias como a da Amadora.
O que me dói ainda mais é que não é a primeira vez que escrevo sobre acontecimentos desta natureza e, provavelmente, não será a última.

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