Intencionalmente, não escrevi
estas notas logo que este drama foi notícia. Uma Menina de 13 anos morreu num
incêndio na Amadora ao tentar salvar os irmãos mais novos que estavam à sua
guarda durante a noite.
A Menina, a mais velha, de oito
irmãos, não sobreviveu à tragédia que terá sido toda a sua vida e que, desta
forma que não podia acontecer, terminou. Um elemento de uma Associação da zona
afirmou à comunicação social que "A Menina e os irmãos andavam sempre cá.
Pediam iogurtes, casacos e carinho". E carinho, sublinho eu.
Mais uma vez, como não é raro que
a aconteça, esta família, estas crianças estavam "sinalizadas",
"referenciadas" desde 2009, mas ... a tragédia aconteceu
De há muito e a propósito de
várias questões, que afirmo que em Portugal, apesar de existirem vários
dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e de existir legislação
no mesmo sentido, sempre assente no incontornável “supremo interesse da
criança, não existe o que me parece mais importante, uma cultura sólida de
protecção das crianças e jovens. Poderíamos citar a insuficiência e falta de
formação de juízes que se verifica nos Tribunais de Família, as frequentemente
incompreensíveis decisões ou demoras em casos de regulação do poder parental,
etc.
Temos também em funcionamento as
Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer um trabalho
eficaz mas em difíceis circunstâncias, para além da falta de agilidade
processual na articulação das múltiplas entidades envolvidas como também é
frequente entre nós.
É verdade que existem situações
que se desenvolvem, por vezes, de forma extremamente rápida e imprevisível, em
ambos os casos parece existir nas mães alguma perturbação do foro da saúde
mental o que torna tudo ainda mais difícil, mas também exige maior celeridade e
atenção.
No entanto, boa parte das
Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou
comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais
operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, tem muitos técnicos a
tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e
qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos
profissionais que as integram. Aliás, a CPCJ da Amadora é a que lida com maior
número de casos de todo o universo das CPCJs.
Este cenário permite que ocorram
situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e
jovens que, sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou
não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Ouve-se então uma das
expressões que me deixam mais incomodado, a(s) criança(s) estava(m) “sinalizada(s)”
ou “referenciada(s)” o que foi insuficiente para a adequada intervenção. Em
Portugal sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande
dificuldade é minimizar ou resolver os problemas referenciados ou sinalizados.
Por isso, sendo importante
registar a menor tolerância da comunidade aos maus tratos aos miúdos, também
será importância que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas
e surgimento de tragédias como a da Amadora.
O que me dói ainda mais é que não
é a primeira vez que escrevo sobre acontecimentos desta natureza e,
provavelmente, não será a última.
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