"Vinte anos para gozar a vida de reformado"
No Público de hoje surge um trabalho que me toca de perto, a
entrada na idade sénior, por assim dizer, da geração nascida entre 1945 e 1964 e os desafios que se colocam.
Estou justamente a meio deste intervalo, nasci em 54.
No trabalho sublinha-se alguns aspectos importantes como o
aumento de longevidade que já permitirá a esta geração um tempo mais
significativo de vida após o termo da carreira profissional ou ainda as alterações
culturais extraordinárias a que fomos assistindo de que de vez em quando, aliás, dou
por aqui testemunho, designadamente, no que se refere à área que melhor conheço,
a educação.
No entanto parece-me importante que também esta geração ao
terminar a sua carreira profissional também enfrenta algo de novo, um corte
muito pesado nos rendimentos que durante muitos anos deu como adquirido por via
dos descontos realizados. Acrescem outras alterações como a permanência ou o
retorno dos filhos a casa por falta de meios para vida autónoma e,
consequentemente, um reagrupar de gerações sob o mesmo tecto que talvez não
fosse antecipado.
Do meu ponto de vista merece especial interesse o
abaixamento de rendimentos pelo impacto na qualidade de vida dos últimos anos
desta geração, a minha.
Na verdade, a condição de reformado, a idade de passagem à
reforma e os rendimentos dos reformados entraram na agenda por variadíssimas
razões, desde a sustentabilidade dos sistemas de segurança social, à demagogia
insensata e insensível do Primeiro-ministro sobre a relação entre descontos e
reformas, a mais antiga e disparatada referência de Cavaco Silva ao seu
insuficiente rendimento de reformado, que, aliás, o fez, tal como à Presidente
da Assembleia da República, escandalosamente, preferir o rendimento das suas
reformas ao miserável vencimento de Presidente.
Também no universo dos pensionistas e reformados, de forma
coerente com o que é habitual entre nós, as assimetrias são gritantes.
Sabemos todos da existência de um reduzido número de
pessoas com pensões ou reformas milionárias e de como algumas dessas figuras
acumulam despudoradamente vencimentos e reformas ou pensões, mas a grande
maioria das pessoas reformadas ou pensionistas está longe desses
patamares de rendimento e condições de vida.
Há uns meses foi divulgado um relatório de uma agência
europeia mostrando que os preguiçosos portugueses são os que mais trabalham
depois dos 65 anos em toda a União Europeia. Tal situação decorre do
desejo de se manterem activos, contrariando a tese da preguiça, mas, sobretudo,
pela insuficiência da maioria das reformas, perda de rendimentos provocada pela
política em curso, ou seja, continuam a lutar pela sobrevivência. Estava a
escrever isto e a lembrar-me do Velho Zé Marrafa lá do Meu Alentejo que começou
aos nove anos a guardar porcos, já está reformado, mas precisa de continuar na
lida seis dias por semana e vai nos 73 anos.
Recordo que em 2009, com perto de 2 milhões de pensionistas,
o valor médio das pensões era de 385 € e só Lisboa e Setúbal apresentavam
valores médios acima do salário mínimo nacional, 450 €, em 2009. A assimetria
era fortemente evidenciada pelo facto de a pensão média mais a baixa, a de
Bragança, ser de 272 € e a mais alta, a de Lisboa, ser de 504 €. Só quatro
concelhos, Lisboa, Setúbal, Porto e Aveiro apresentam valores médios das
pensões acima do limiar de pobreza.
A situação actual ter-se-á obviamente agravado para muitos
milhares de pessoas sendo que aqueles que não viram as pensões ou reformas
alteradas as têm com valores baixíssimos e insuficientes para os retirar da
situação de pobreza. Trata-se, ao que parece, do início da refundação do estado
social.
Provavelmente apelando à responsabilidade social dos
reformados, não tardará um apelo a um movimento de voluntariado no sentido de
continuarem a trabalhar, mas com o actual salário substituído pela reforma, bem
mais baixa, é claro.
As comunidades, de uma forma geral, não estão preparadas com
equipamentos e respostas para seniores e os melhores são inacessíveis proliferando a oferta
clandestina com situações degradantes que vão sendo conhecidas com
regularidade. O equipamento social mais utilizado por muitos seniores é a sala
de espera dos Centros de Saúde contexto em que também se consome grande parte dos seus
rendimentos.
Lamentavelmente, boa parte dos velhos, sofreu para chegar a
velho e sofre a velhice.
Não é um fim bonito para nenhuma narrativa.
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