"Professor acusado de abusar de nove alunos menores 439 vezes"
É consensual o entendimento de
que a "explosão" do chamado caso Casa Pia colocou uma luz mais forte
sobre este universo negro, os abusos sexuais sobre crianças, pelo que a
comunidade parece ter ficado mais atenta o que é, aliás, salientado pelo
Juiz-conselheiro Armando Leandro, presidente da Comissão Nacional de Protecção
de Crianças e Jovens em Risco. A prova desta maior atenção pode encontrar-se no
facto de desde o início do processo em 2002 e até 2009, ter triplicado o volume
de denúncias. No entanto, as pessoas que conhecem este tipo de problemáticas
sabem que o volume de denúncias é apenas uma parte das situações de abuso.
Continua com uma regularidade impressionante a revelação casos de abusos sexuais sobre crianças e adolescentes, a maioria em situações envolvendo familiares, amigos ou conhecidos da crianças ou famílias e também instituições que lidam com as menores como é o caso recente de instituições de natureza religiosa.
Esta circunstância decorre de um
aspecto que me parece fundamental não esquecer, nunca e que os dados agora
divulgados sublinham de forma muito nítida. A maioria dos abusos sexuais sobre
crianças ocorre nos contextos familiares e envolve família e amigos, não em
instituições que, provavelmente na sequência do caso Casa Pia, até se terão
tornado mais atentas e eficazes na prevenção de abusos embora, como foi o caso
do Seminário do Fundão, continuem a acontecer.
Apesar das mudanças verificadas
em termos legais e processuais, a fragilidade ainda verificada, na criação de
uma verdadeira cultura de protecção dos miúdos leva a que muitos estejam
expostos a sistemas de valores familiares que toleram e mascaram abusos com
base num sentimento de posse e usufruto quase medieval. Muitas crianças em
situação de abuso no universo familiar ou por pessoas conhecidas ainda sentem a
culpa da denúncia das pessoas da família ou amigos, a dificuldade em gerir o
facto de que pessoas que cuidam delas lhes façam mal e a falta de credibilidade
eventual das suas queixas bem como das consequências para si próprias, uma vez
que se sentem quase sempre abandonadas e sem interlocutores em que possam
confiar ou ainda o medo das consequências da denúncia.
A este cenário acrescem os riscos
que as novas tecnologias vieram introduzir, sendo conhecidos cada vez mais
casos em que a internet é a ferramenta utilizada para construir o crime.
Neste quadro continua a ser
absolutamente necessário que as pessoas que lidam com crianças, designadamente
na área da saúde e da educação, sejam capazes de “ler” os miúdos e os sinais
que emitem de que algo se passa com eles.
Esta atitude de permanente,
informada e intencional atenção aos comportamentos e discursos dos miúdos é, do
meu ponto de vista, uma peça chave para minimizar a tragédia dos abusos sobre as crianças.
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