sexta-feira, 1 de agosto de 2014

LANÇAR O BARCO À ÁGUA

"Depois dos estaleiros de Viana, privatização paira sobre o Arsenal do Alfeite"

A leitura na imprensa de que o Governo estuda a eventual privatização dos Estaleiros do Arsenal do Alfeite o que, sem surpresa, poderá querer dizer o encerramento ou a alienação da área privilegiada que ocupa para a implantação de um qualquer projecto de "interesse nacional" mas nas mãos de estrangeiros, deixou-me preocupado pelas consequências ao nível do emprego, por mais uma machadada, a derradeira, na indústria naval portuguesa mas, sobretudo, muito triste e com nostalgia o que me levou a estas notas.
Numa das maiores rotundas da minha terra, sim também temos muitas rotundas, foi instalado um conjunto escultórico de grandes dimensões dedicado à construção naval que, a par da indústria corticeira, sempre foi uma das actividades emblemáticas do concelho de Almada, com o extinto estaleiro da H. Parry & Son, em Cacilhas, o Arsenal do Alfeite e a mais recente Lisnave.
Na minha família, o meu pai como serralheiro, o meu sogro como caldeireiro naval e vários outros membros da família, para além de muita gente conhecida e amigos, a maioria já com a narrativa terminada, foram operários da construção naval pelo que aquele monumento acorda ressonâncias e, mais do que isso, acho-o bonito.
Um dos seus elementos de maior dimensão representa um barco no plano, aprendi desde miúdo que o plano é o local seco, não uma doca, inclinado, onde os barcos são construídos ou reparados. Quando prontos, procedia-se ao seu lançamento à água, partiam-se as cordas que seguravam o barco no plano e este deslizava, ganhava velocidade e entrava na água levantando um enorme cachão e ficava a flutuar ganhando a sua condição de barco.
Nos idos de 50 e 60 o meu pai tentava, por vezes, conseguia, com a conivência dos guardas que eu, miúdo, umas vezes só, outras com o meu primo, passasse o mítico Portão Verde do Arsenal do Alfeite para assistir ao lançamento de um barco à água.
Nem dormia, era algo que me impressionava e ainda hoje está bem vivo na memória, no lado das coisas mais bonitas que carrego na mochila já bem composta pela estrada andada.
Lamentavelmente, hoje estão a acabar com os lançamentos dos barcos à água nas nossa costa.
Parece que toda a nossa terra, ela própria, se transformou num enorme barco, à deriva.
Deixem-nos continuar a lançar os barcos à água.

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