Ao que parece, continuando um fingimento de décadas, PS e
PSD tentam estabelecer um acordo sobre uma proposta de combate à corrupção.
Como diz o Velho Marrafa, “deixe lá ver”. Confesso que não estou
particularmente optimista sobre o alcance de um consenso sobre uma “proposta de
combate à corrupção”. Algumas notas justificativas da minha reserva.
Recordo que em Fevereiro a Comissão Europeia afirmava num
relatório que em Portugal “não existe uma estratégia nacional de luta contra a corrupção em
vigor”.
Segundo um estudo divulgado, creio que em 2013, realizado,
conjuntamente pela Universidade de Lisboa e pelo Movimento Transparência
e Integridade, 70 % dos portugueses inquiridos consideram ineficaz o combate à
corrupção, sendo que 78 % consideram que este problema se agravou nos últimos
dois anos, o pior resultado da União Europeia de acordo com o trabalho da
Transparency International, representada em Portugal pela TIAC -- Transparência
e Integridade, Associação Cívica.
A maioria dos inquiridos, oito em dez, entende que o “o
Governo está nas mãos de um conjunto restrito de grupos económicos” e 60% dos
portugueses afirma que os conhecimentos pessoais são importantes para obter
serviços ou acelerar processos na administração pública.
Nada de novo, infelizmente, também nestes dados. Em 2013
tornou-se público que o Conselho de Prevenção da Corrupção, estrutura criada
pela Assembleia da República e a funcionar junto do Tribunal de Contas, deixou
de tentar envolver as organizações partidárias na sua acção, pois estas
entendem que o Conselho não tem competência sobre as suas actividades e
funcionamento, designadamente na sensível questão do financiamento.
A Transparência e Integridade, Associação Cívica tem vindo
recorrentemente a lamentar “a reiterada falta de progressos na luta contra a
corrupção por parte das autoridades portuguesas, sublinhada mais uma vez no
último relatório de avaliação do Grupo de Estados Contra a Corrupção”, do
Conselho da Europa, designadamente no que respeita a alterações legislativas no
âmbito da corrupção e do tráfico de influências. Também um Relatório anterior
das mesmas entidades indiciava que o combate à corrupção em Portugal apresenta
“resultados mais baixos do que seria de esperar num país desenvolvido”,
concluindo, entre muitos outros aspectos, que a “troca de favores” e a “cunha
estão institucionalizadas “entre colegas do mesmo governo” bem como
identificava Portugal como dos 21 países em que existe "pouca ou nenhuma
implementação" da Convenção anti-corrupção da OCDE.
No entanto, está sempre presente nos discursos partidários,
sobretudo à entrada de cada novo governo, a retórica que sustenta o fingimento
da luta contra a corrupção e a promoção da transparência na vida política
portuguesa e, regularmente, emergem umas tímidas propostas que mascaram essa
retórica, entram na agenda e rapidamente desaparecem até ao próximo
fingimento. Provavelmente, estamos agora em presença de mais um acto deste
fingimento.
Do meu ponto de vista, nenhum dos partidos do chamado “arco
do poder”, está verdadeiramente interessado na alteração da situação actual, o
que, aliás, pode ser comprovado pelas práticas desenvolvidas, por todos, quando
foram ocupando o poder. A questão, do meu ponto de vista, é mais grave. Os
partidos, insisto no plural, mais do que NÃO QUERER mexer seriamente na questão
da corrupção e do seu financiamento, NÃO PODEM e vejamos porque não podem.
Nas últimas décadas, temos vindo a assistir à emergência de
lideranças políticas que, salvo honrosas excepções, são de uma mediocridade
notável. Temos uma partidocracia instalada que determina um jogo de
influências e uma gestão cuidada dos aparelhos partidários donde são, quase que
exclusivamente, recrutados os dirigentes da enorme máquina da administração
pública e instituições e entidades sob tutela do estado. Esta teia associa-se à
intervenção privada sobretudo nos domínios, e são muitos, em que existem
interesses em ligação com o estado, a banca e as obras públicas são apenas
exemplos. Os últimos tempos têm sido particularmente estimulantes nesta
matéria.
A manutenção deste quadro, que nenhum partido está
evidentemente interessado em alterar, exige um quadro legislativo adequadamente
preparado no parlamento e uma actividade reguladora e fiscalizadora pouco
eficaz ou, utilizando um eufemismo, “flexível”. Assim, a sobrevivência dos
partidos, tal como estão, exige a manutenção da situação existente pelo que, de
facto, não podem alterá-la. Quando muito e para nos convencer de que estão
interessados, introduzem algumas mudanças irrelevantes e acessórias sem,
obviamente, mexer no essencial. Seria um suicídio para muita da nossa classe
política e para os milhares de boys de diferentes cores que se têm alimentado,
e alimentam do sistema.
O combate à corrupção, parece, assim, um problema
complicado. De quem faz parte do problema, não podemos esperar a solução.