Ao que consta de um Relatório da Inspecção-Geral
das Actividades em Saúde, a análise a Certificados de Incapacidade Temporária,
os conhecidos "atestados", passados pelos médicos entre 2009 e 2011 permite verificar que cerca 30% foram
“emitidos sem evidências de quaisquer registos clínicos de suporte, situação
que se afigura deveras preocupante”.
Recordo que em Junho e segundo a imprensa, o Governo terá solicitado à Polícia Judiciária que investigasse milhares
de situações de baixas médicas cuja prescrição não terá obedecido às
normas estabelecidas. Entre os procedimentos detectados referiam-se a não
indicação da unidade de saúde responsável ou a falta do código da cédula
profissional dos clínicos que "atestam". Estariam sob investigação os
500 maiores prescritores de baixas e os mil maiores beneficiadores de tal
processo.
Parece ainda curioso o volume de atestados
subscritos por alguns médicos sendo que foi identificada uma situação em que um
clínico assinou a módica quantia de 2855 atestados em 2012, uma média de quase
oito por dia. Isto é produtividade.
O Bastonário da Ordem dos Médicos estranhou a
situação encontrada e a aceitação de baixas sem que cumpram as normas. Acresce
que já o Relatório da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde de 2011, referia
"fortes indícios" de que nos serviços de saúde, públicos ou
convencionados, fossem elaborados atestados médicos "sem evidência
de acto/contacto clínico, omissão que pode, eventualmente, sugerir a emissão de
atestados de complacência”.
Com alguma regularidade surgem na imprensa
referências a esta prática, tão nossa, tão familiar, o recurso ao
"atestadozinho" que certifique incapacidade temporária para
trabalhar.
Creio que todos temos uma percepção clara de que
a utilização da baixa é apenas mais um dos muitos "esquemas" em que
vivemos mergulhados. A baixa permite o biscate que compõe orçamentos
familiares, liberta uns diazinhos de descanso, etc., e, é bom que se diga,
trata-se de um fenómeno que atravessa várias estratos sociais.
Há alguns meses noticiava-se a existências de
milhares de casos de baixa médica que não resistiram a uma acção de
fiscalização, trata-se da cultura instalada e da relação ética com o trabalho,
trata-se do "porreirismo" e, finalmente, da impunidade e bonomia
laxista com que tudo isto é encarado.
Por outro lado, apesar da dificuldade dos
clínicos na avaliação de sintomas eventualmente impeditivos de trabalho, também
todos conhecemos casos, muitos casos, de baixa consciência deontológica, para
ser simpático, de médicos que de forma leviana assinam baixas médicas com a
maior das facilidades. Em muitos locais se conhecem uns "doutores" a
quem recorrer para arranjar um "atestadozinho".
Recordo também que no final de 2011 a Ordem dos
Médicos anunciou a intenção de apresentar uma proposta ao Ministério da Saúde
no sentido de dispensar a exigência de atestado médico impeditivo de trabalho
em algumas circunstâncias clínicas, como casos de gripe ou enxaquecas. A
proposta radicava, de forma sintética em duas ordens de razões, a sobrecarga
dos serviços com estes pedidos e a dificuldade que em alguns quadros clínicos o
próprio médico terá em atestar a impossibilidade de trabalho. Assim, a proposta
da Ordem remetia para responsabilidade do cidadão ou seja, para sua consciência
ética e deontológica, bem como dos próprios clínicos. É aqui que, do meu ponto
de vista reside a questão.
Eu ainda gostava de viver num tempo em que
a proposta da Ordem dos Médicos no sentido do cidadão avaliar as suas próprias
condições para trabalhar, fosse a regra e aceite sem desconfiança. No entanto,
como sempre afirmo, a realidade não é a projecção dos nossos desejos.
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